[…]
Já estavam separados antes do acidente. Quinze anos e dois filhos. A páginas tantas, ela agarrou nos miúdos e foi para casa dele. Para o ajudar na recuperação. Também não podia ser o contrário, ela não tinha casa, vivia na casa da mãe.
Ela dormia no escritório, ele no quarto que já fora de ambos, os miúdos nos respectivos. As rotinas eram as de sempre: cada um ia à sua vida. Menos ele, que ficava a remoer. O acidente custou-lhe a perna esquerda e várias lesões na coluna e muitas dores. Avulsas. O olho esquerdo ficou com a capacidade reduzida a 20 por cento, mas o pior foi a cabeça: tornou-se neurasténico, amargo e amigo da garrafa.
Observava-a nas rotinas. Ela tinha agora 40 anos e arranjava-se muito mais do que quando estavam casados. Calças discretamente justas, cabelo apanhado e era capaz de jurar que usava maquilhagem. Um leve tom. Os diálogos eram mínimos, muita secura a recordar o tempo da separação. Ele via-a assim e imaginava o que lia nas revistas. A nova vida das mulheres divorciadas, homens mais carinhosos e interessantes e essas merdas todas. E bebia.
Ela usava o roupeiro do antigo quarto comum, do quarto onde ele vegetava. Por duas vezes, fingindo-se adormecido, observou. Viu-a entrar vinda do banho, só com a toalha enrolada no corpo; viu-a escolher as cuequinhas: novas, brancas e com um debruado elegante. Viu-a calçar uns sapatos e vestir uma roupa que não conhecia, como quando iam jantar fora. Nos bons tempos. Nesse dia ela estava menos apressada.
Irritava-o de morte ainda ter vontade de a comer. Enquanto estiveram casados nunca lhe interessou outra mulher. Depois do acidente ficou convencido de que ela já não o queria. Os homens são assim, presos ao corpo. Arranjou-lhe casos, desconfiava e ela fartou-se; ou talvez tivesse tido mesmo um caso. Nunca chegou a saber. Ficou sozinho a remoer as maleitas. Estava-se nas tintas.
Ela estava pronta e devia ter saído do quarto. Não saiu. Ele abriu mais o olho bom e viu-a fazer algo completamente inesperado: abrir a blusa e sorrir, um sorriso meio envergonhado e provocante. Outras zonas adiantaram-se ao cérebro e tomaram a dianteira. Sentou-se na cama, sentou-a ao seu colo e tirou-lhe a blusa. Ela tirou o soutien, enrolou-o no pescoço dele e beijou-o. Muito, muito devagar. Ele sentiu a língua dela, imigrante e desesperada, e ficou doido. Estava indefeso, como ficava sempre que ela respirava vontade de foder. Noutros tempos.
Ela deitou-se de bruços, levantou a saia e ronronou. Sinal para a cavalaria.
Saboreou-a lentamente, surpreendido com o seu autocontrolo. Não se estraga com voragem um met especial. Percorreu-lhe com os dedos o cabelo, as costas e as nádegas, com suavidade tensa. Depois entrou, pedindo licença, e julgou que tinha o controlo. Não tinha.
Enquanto ia e vinha não conseguia abstrair-se totalmente. Ela estava apetitosíssima, mil por cento descontraída, mas ele pressentia um fio de estranheza. Se as coisas eram assim, por que estavam separados? Se ela se oferecia assim, por que raio o tratava como uma criança birrenta?
Nestas coisas há prioridades. A amígdala, uma pequena ilha cerebral, comanda as tropas e as cautelas vão-se. Morra gato, morra farto.
O fim veio certo como todos os fins. Rolou para o lado e examinou-lhe o cabelo, basto e negro. Estava mais bonita. Continuava de bruços e olhou para ele de soslaio e sorriu. Devia haver um código de bandeiras, como no mar alto, para o sorriso das mulheres.
“Nunca pensei que estivesses a precisar disto”, disse ele com a graça de uma toupeira. Ela voltou a sorrir e respondeu: “Não precisava. Vê lá se te portas melhor agora.” E levantou-se e saiu do quarto e foi a última vez que estiveram juntos.
Uma cena de sexo, Filipe Nunes Vicente, in Ler, Dezembro 2008
sábado, 29 de novembro de 2008
Dias úteis
Adoro dias cinzentos. Já nem me refiro à minha intensa atracção pela chuva, porque dessa já houve pano para mangas. O céu negro é de uma beleza que me conforta, quando há menos luz e nos refugiamos à procura de algum calor, onde se denotam melhor os contrastes, os contornos. Não sei se por reflectir o meu lado mais soturno, de me deleitar em alguma melancolia, se por ter nascido no mês das primeiras chuvas e dias… assim. Acalmo. Gosto da sombra, da pouca claridade que esconde os defeitos e nos permite deambular livremente, mais confiantes no derreter de certas loucuras porque menos visíveis. Gosto do frio por implicar a busca daquilo que nos aquece, mais do que aquele calor que surge sem sequer nos perguntar se o queremos. Gosto das nuvens pelo mistério que envolvem, pelos abismos que escondem, como se em nosso redor existisse apenas o que conseguimos ver.
E [se calhar] porque sei que dentro em breve o sol volta a espreitar.
E [se calhar] porque sei que dentro em breve o sol volta a espreitar.
sexta-feira, 28 de novembro de 2008
Mário Crespo entrevista António Lobo Antunes
A sério que já tentei escrever alguma coisa que traduzisse o que senti ao ouvir e ver a entrevista de Mário Crespo a António Lobo Antunes, mas... palavras para quê?
Parte I
Parte II
Parte III
Embora não possamos afiançar dos sentimentos e emoções de entrevistador e entrevistado e, muito menos, possa concretizar o que eu própria senti, as novas tecnologias são amigas porque nos permitem ver e rever vezes sem conta aquilo que nos faz bem. E esta entrevista faz-me bem.
Dois grandes senhores numa conversa descontraída [embora seja visível o nervosismo de Mário Crespo], verdadeira, bonita. Uma conversa de sensibilidades e palavras usadas, de ambas as partes, com todo o cuidado e carinho. Admiro o trabalho de ambos, mas como acontece com todos os ídolos que temos, junto bocadinhos do meu imaginário à realidade que conheço da vida do António Lobo Antunes e torno-o assim o meu protótipo de escritor.
Nota máxima também para a frase que traduz o agradecimento do entrevistador pela presença e disponibilidade do escritor: "Foi bom vê-lo aqui hoje". Delicioso!
Parte I
Parte II
Parte III
Embora não possamos afiançar dos sentimentos e emoções de entrevistador e entrevistado e, muito menos, possa concretizar o que eu própria senti, as novas tecnologias são amigas porque nos permitem ver e rever vezes sem conta aquilo que nos faz bem. E esta entrevista faz-me bem.
Dois grandes senhores numa conversa descontraída [embora seja visível o nervosismo de Mário Crespo], verdadeira, bonita. Uma conversa de sensibilidades e palavras usadas, de ambas as partes, com todo o cuidado e carinho. Admiro o trabalho de ambos, mas como acontece com todos os ídolos que temos, junto bocadinhos do meu imaginário à realidade que conheço da vida do António Lobo Antunes e torno-o assim o meu protótipo de escritor.
Nota máxima também para a frase que traduz o agradecimento do entrevistador pela presença e disponibilidade do escritor: "Foi bom vê-lo aqui hoje". Delicioso!
quinta-feira, 27 de novembro de 2008
Cosmocópula
I
Membro a pino
dia é macho
submarino
é entre coxas
teu mergulho
vício de ostras.
II
O corpo é praia a boca é a nascente
e é na vulva que a areia é mais sedenta
poro a poro vou sendo o curso de água
da tua língua demasiada e lenta
dentes e unhas rebentam como pinhas
de carnívoras plantas te é meu ventre
abro-te as coxas e deixo-te crescer
duro e cheiroso como o aloendro.
(Inédito)
Natália Correia, in Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica
Membro a pino
dia é macho
submarino
é entre coxas
teu mergulho
vício de ostras.
II
O corpo é praia a boca é a nascente
e é na vulva que a areia é mais sedenta
poro a poro vou sendo o curso de água
da tua língua demasiada e lenta
dentes e unhas rebentam como pinhas
de carnívoras plantas te é meu ventre
abro-te as coxas e deixo-te crescer
duro e cheiroso como o aloendro.
(Inédito)
Natália Correia, in Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica
quarta-feira, 26 de novembro de 2008
Paris, je t'aime*
"Mais tarde, acabei por compreender que Paris é uma estufa quente de ideias e que as pessoas procuram aproveitar da vida tudo o que é possível. Ao pé desta cidade, todas as outras se tornam pequenas. Paris parece grande como o mar. Mas deixamos lá sempre um grande pedaço da nossa vida." [Vincent Van Gogh]
Um dia hei-de voltar a Paris como quem volta a casa!
Place du Tertre
*já agora vale a pena ver o filme que dá nome ao post
terça-feira, 25 de novembro de 2008
Janelle Monae
Chamam-lhe Outkast no feminino. É bem capaz, mas, na minha opinião, com uma sonoridade muito melhor, nem que seja pela voz. Possante, melódica… toda a música é uma onda, onde nos deixamos deslizar, ondular nos turururu’s das backvocals, quase com laivos orientais.
Para além do som me remexer as entranhas, acho aqui a Janelle com pinta de cyberfeminista, com uma picadela de olho à Donna Haraway e ao seu Cyborg Manifesto. Uma hibridez de género, com referências à expressão pelo self independente do sexo, do estereotipo, descolando capas pré-concebidas que rotulam comportamentos e formas de ser. Até o cabelinho e o óculo remete invariavelmente para esta outra grande maluca feminista.
Para além do som me remexer as entranhas, acho aqui a Janelle com pinta de cyberfeminista, com uma picadela de olho à Donna Haraway e ao seu Cyborg Manifesto. Uma hibridez de género, com referências à expressão pelo self independente do sexo, do estereotipo, descolando capas pré-concebidas que rotulam comportamentos e formas de ser. Até o cabelinho e o óculo remete invariavelmente para esta outra grande maluca feminista.
É uma Janelle(a) de oportunidade, esta babe.
Violet stars happy hunting, Janelle Monae
Violet stars happy hunting, Janelle Monae
I'm an alien from outer space (outer space)
I'm a cybergirl without a face a heart or a mind
(a product of the man, I'm a product of the man)
Ci ci ci
I'm a saviour without a race (without a face)
On the run cause they? hit our ways and chase my kind
They've come to destroy me
segunda-feira, 17 de novembro de 2008
Festa do Bigode
E o prémio El Bigodon vai para [todos: vai para]: o pintor francês mais espectacular de sempre!
[O prémio adivinha-quem-aterrou-primeiro vai para: a colegial mais ousada]
sábado, 15 de novembro de 2008
Ritual de acasalamento
À hora de melhores cores, os animais encontram-se, no local do costume, a sondar a área. Aproveita-se o sol, fazem-se as melhores poses sob a luz, exibem-se penas, jubas, músculos, garras. Propagam-se os cheiros de cio e emitem-se fortes os rugidos, pios e ronronares que inebriam macho e fêmea. O ritual instaura-se quase oficialmente, com os devidos olhares inquisidores de cobiça. Meneiam-se as hostes num jogo de ataque e defesa constante, na espera da melhor oportunidade, do tempo certo, do olhar fulminante que sele o consentimento. Pela proliferação da espécie, pelo instinto animal, pelo alívio físico, pela disputa do eleito, pelo encantamento da sedução. Pela busca de um naco que sacia. Daquela porção que preenche.
sexta-feira, 14 de novembro de 2008
quinta-feira, 13 de novembro de 2008
Epílogo
À esquerda a lareira. À direita o livro. Por cima a mantinha. À frente o chocolate. Imaginei este cenário vezes sem conta. E cá estou, finalmente, a escrever sobre ele, a torná-lo real. Paira uma certa nostalgia que só a solidão sabe trazer, mas com um gosto doce. A cabeça girou mil vezes hoje. Os planos foram trocados, o desejo refreado, amigos trouxeram risos e velhos amores resolvem dar notícias. Do nada. Tudo num só dia. Apetece esta acalmia e a promessa de um amanhã agitado.
Sim, a minha vida também não faz sentido sem ti.
Sim, a minha vida também não faz sentido sem ti.
quarta-feira, 12 de novembro de 2008
É a loucura!
É ver a malta em delírio:
http://www.mascarilha.pt/produtos.php?pai=146
Aviso: vale a pena passear por toda a loja.
http://www.mascarilha.pt/produtos.php?pai=146
Aviso: vale a pena passear por toda a loja.
Conversas de corredor
Ela - A Soraia avisou que vai chegar late.
Ele - Ah! A sério?! [Por entre movimentos com excessivos piquinhos a azedo]
Ela - Sim. Almoças cá hoje?
Ele - Ainda não sei se é para fazer o trabalho, se não...
Ela - Então mas eu estive a ler os textos... Why?
É assim que se fala pelos corredores de uma faculdade. E depois querem-me convencer que sabem o que estão a discutir quando convocam reuniões de alunos para debater o Orçamento de Estado. Oh God!
Ele - Ah! A sério?! [Por entre movimentos com excessivos piquinhos a azedo]
Ela - Sim. Almoças cá hoje?
Ele - Ainda não sei se é para fazer o trabalho, se não...
Ela - Então mas eu estive a ler os textos... Why?
É assim que se fala pelos corredores de uma faculdade. E depois querem-me convencer que sabem o que estão a discutir quando convocam reuniões de alunos para debater o Orçamento de Estado. Oh God!
terça-feira, 11 de novembro de 2008
[...]
É o viajante a ligar. Das 14 vezes que já tocou o telefone. Não consigo atender. Fico com a barriga embrulhada, tal é o nervosismo por ter que lhe dizer que não quero passear com ele nem que festejemos juntos o aniversário. Cá dentro, tudo o que a ele é relativo, começa a ficar resolvido, por isso, não consigo falar-lhe. Sei de cor a reacção que me espera do outro lado da linha: uma gritaria pegada e um mar de porquês a que não tenho obrigação de responder. "Não, porque não, ponto final", mas não sei se sou capaz. Adio. Já tratei de deixar de ouvir o telefone tocar. Bendita a hora em que inventaram o botãozinho para silenciar aqueles toques dolorosos. Mas, e silenciadores para a dor que não se ouve, que só se sente, não se arranjam por aí? Não quero ir em peregrinação à Carbono nem comer bom marisco nem ouvir fados no bairro nem passear pela Lisboa que "ah, o que eu já vivi aqui, se tu soubesses...". Contigo não, que me dispões mal. Viaja lá novamente para o teu sítio. É tudo o que quero, de lá é mais fácil. Já não estou habituada a ter-te perto. E a culpa não foi minha...
sexta-feira, 7 de novembro de 2008
Um burro a olhar para um palácio
Eu à frente das 300 prateleiras de detergentes para a loiça em pós, pastilhas e assim-assim; sais xpto em sacos pequenos, médios, grandes e maiores ainda; abrilhantadores super-hiper-mega-ri * poderosos e bons para a minha loicinha, adequados aos copos ou às panelas ou aos talheres.
Nunca me deu uma paragem cerebral tão prolongada.
* com selo mamalhuda infantilóide
Nunca me deu uma paragem cerebral tão prolongada.
* com selo mamalhuda infantilóide
quarta-feira, 5 de novembro de 2008
Silenciosamente cúmplices
Hoje a senhora que arrumava as telas, a quem perguntei por molduras, tinha os olhos encharcados de lágrimas. Eu vi, ela viu que eu vi. Eu limitei-me a ouvir a resposta, agradeci e segui a minha vida. Não me ocorreu sequer uma palavra de conforto ou perguntar se se sentia bem... Isolei-me na concha do egoísmo, na frieza das realidades impessoais. Não sei se por respeito, se por medo, se por indiferença, se por cobardia. Fi-lo. E no momento seguinte tive vontade de voltar atrás. No tempo.
Entre aspas literárias #2
“A obra é uma coisa que fica. Se tirarmos os filhos da puta da literatura e da pintura ficamos com nada. Se se tirarem os bêbados fica-se com zero. Se deixarmos só os livros feitos por pessoas que se portavam bem, tratavam bem a mulher, eram bons amigos e pagavam as contas a horas, ficamos só com merda. O único autor que foi boa pessoa e ao mesmo tempo um génio é capaz de ser, sei la, o Beckett.”
[...]
“A ideia de que a literatura tem um papel moral, positivo ou negativo, é errada. Nem enriquece, nem empobrece. Pode enriquecer ou pode empobrecer. Mas não é essa a razão para ler. Uma pessoa lê para ficar deslumbrada. Uma pessoa lê para ficar noutro estado. Para sair de si própria. Uma pessoa lê para estar noutro mundo. Para entrar noutro estado. E, no caso das coisas muito bem escritas, num enlevo. Há um enlevo de ser elevado.”
[...]
“Eu tenho muitos amigos e conheço muitas pessoas e sei qual é a tradição de dar graxa na entrevista. Depois, as pessoas, juntam-se nas festas e lambem o cu umas às outras. Eu não vou a festas. Sempre fui um isolado.”
[...]
“Todos os escritores utilizam anfetaminas. Podes dizer um nome de um escritor do séc. XX… Quase todos. Utilizam, porque ajuda muito a concentrar. Se há droga para estudar e para a escrita, e em que depois a pessoa não se envergonha, a única droga que ajuda são as anfetaminas. […] Com LSD não se consegue escrever. Com o haxixe também não. Sai tudo um disparate. Eu já experimentei e geralmente só sai lixo. A cocaína ao principio ajuda um bocadinho mas esse principio é tão curto – é para aí de uma semana ou duas – que depois já não ajuda absolutamente nada. Com ópio nunca experimentei. “
Miguel Esteves Cardoso in Ler, Novembro 2008
[...]
“A ideia de que a literatura tem um papel moral, positivo ou negativo, é errada. Nem enriquece, nem empobrece. Pode enriquecer ou pode empobrecer. Mas não é essa a razão para ler. Uma pessoa lê para ficar deslumbrada. Uma pessoa lê para ficar noutro estado. Para sair de si própria. Uma pessoa lê para estar noutro mundo. Para entrar noutro estado. E, no caso das coisas muito bem escritas, num enlevo. Há um enlevo de ser elevado.”
[...]
“Eu tenho muitos amigos e conheço muitas pessoas e sei qual é a tradição de dar graxa na entrevista. Depois, as pessoas, juntam-se nas festas e lambem o cu umas às outras. Eu não vou a festas. Sempre fui um isolado.”
[...]
“Todos os escritores utilizam anfetaminas. Podes dizer um nome de um escritor do séc. XX… Quase todos. Utilizam, porque ajuda muito a concentrar. Se há droga para estudar e para a escrita, e em que depois a pessoa não se envergonha, a única droga que ajuda são as anfetaminas. […] Com LSD não se consegue escrever. Com o haxixe também não. Sai tudo um disparate. Eu já experimentei e geralmente só sai lixo. A cocaína ao principio ajuda um bocadinho mas esse principio é tão curto – é para aí de uma semana ou duas – que depois já não ajuda absolutamente nada. Com ópio nunca experimentei. “
Miguel Esteves Cardoso in Ler, Novembro 2008
segunda-feira, 3 de novembro de 2008
Advertência
Tem uma má relação com o seu filho? O seu filho fica mais agressivo pela altura do entrudo e a mãe desconhece a razão? Calma! Pode não estar tudo perdido. Leve a mão à consciência e lembre-se se já o fez passar alguma vergonhaça como tê-lo mascarado de elefante, de Pinóquio-Gepetto [isto aconteceu mesmo. Ai que giro!, mascarado de Pinóquio! Não, ele não está só mascarado de Pinóquio, está também de Gepetto. Pronto, 2 em 1 e que mal tem? Pobre criança], de peça de fruta [também é real: sei de uma mãe que mascarou a sua cria de morango com a folhinha verde no chapéu e tudo] ou mesmo de pato. E é a propósito de um menino lindo mascarado de pato que aqui venho hoje. Certa mãe, que eu adoro, mascarou o seu querido filho, lindo, loirinho, de olho azul de pato Donald. Deve ter-lhe feito tal lavagem cerebral que ao tropeçar e estatelar-se no chão durante o dia a criança disse Oh, já caiu o pato! Não é delicioso? É, mas atenção mães, atentem na advertência: cuidem de reflectir bem sobre o traje carnavalesco da criança não vá uma má escolha traumatizar a criança e acabar de vez com a possibilidade de construírem uma relação saudável e para a vida toda.
domingo, 2 de novembro de 2008
Prato do dia*
sábado, 1 de novembro de 2008
Transeuntes dominicais
Amanhã recomeça o ritual. Repete-se todas as semanas. Milhares de famílias felizes portuguesas deambulam pelos centros comerciais e afins. Fazem-no porque é dia de o fazer. Porque se definiu que neste dia, além de se ir à missa, vai-se roçar os rabos nas paredes das lojas, restaurantes fast food e abelhas maias com ranhura para a moeda. É vê-los entediados, porque é o dia de passar tempo de qualidade com a família e isso significa levá-los onde querem, de mãos nos bolsos a calcorrear os corredores à pressa, para ficar tudo visto num ápice e irem para casa ver a bola, no sofá.
- Pai, vamos ver ali!
- Ali não há nada para ver, anda embora! Estás aqui, estás a apanhar! – em tom francamente audível.
É vê-las de pintura enjoativamente carregada, olho preto e lábio vermelho ou roxo, vá. É dia de embonecar e, portanto, dia de pôr a melhor fatiota, aquela do último casamento ou assim. Camisola de Lycra justa até mais não, a denotar a bela da banha por cima da saia traçada e apertada. Todo o acessório é bem-vindo, pelo que não descuidam as 10 pulseiras, os brincos brilhantes, os anéis da tia-avó em cada dedo e um penduricalho a bambolear no farto tecido mamário. Gritam e correm atrás dos putos, porque estes andam a gritar e em correrias. Fazem pose fina, perguntam onde é o McDonald’s e o resto das lojas de roupa ou se não vendem naperons para levar para a terra. Observam cada pormenor de lés a lés, passeiam com calma, olham o balcão de soslaio, tiram livros das mãos dos filhos, porque já lhes compraram cartas dos Pokemon.
Os putos vêm com cabelo no gel em pasta, mexem em tudo, gritam, correm, desarrumam, arrancam páginas de livros, derrubam expositores, insistem que querem pôr o CD dos Morangos com Açúcar a tocar, puxam os auscultadores, fazem birras porque querem tudo. Fartam-se rápido e debandam assim que podem, não sem antes esmurrarem as fronhas na porta de vidro.
- Ah, vamos embora, aqui é só livros…
Pois… Diz que sim…
- Pai, vamos ver ali!
- Ali não há nada para ver, anda embora! Estás aqui, estás a apanhar! – em tom francamente audível.
É vê-las de pintura enjoativamente carregada, olho preto e lábio vermelho ou roxo, vá. É dia de embonecar e, portanto, dia de pôr a melhor fatiota, aquela do último casamento ou assim. Camisola de Lycra justa até mais não, a denotar a bela da banha por cima da saia traçada e apertada. Todo o acessório é bem-vindo, pelo que não descuidam as 10 pulseiras, os brincos brilhantes, os anéis da tia-avó em cada dedo e um penduricalho a bambolear no farto tecido mamário. Gritam e correm atrás dos putos, porque estes andam a gritar e em correrias. Fazem pose fina, perguntam onde é o McDonald’s e o resto das lojas de roupa ou se não vendem naperons para levar para a terra. Observam cada pormenor de lés a lés, passeiam com calma, olham o balcão de soslaio, tiram livros das mãos dos filhos, porque já lhes compraram cartas dos Pokemon.
Os putos vêm com cabelo no gel em pasta, mexem em tudo, gritam, correm, desarrumam, arrancam páginas de livros, derrubam expositores, insistem que querem pôr o CD dos Morangos com Açúcar a tocar, puxam os auscultadores, fazem birras porque querem tudo. Fartam-se rápido e debandam assim que podem, não sem antes esmurrarem as fronhas na porta de vidro.
- Ah, vamos embora, aqui é só livros…
Pois… Diz que sim…
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