domingo, 27 de abril de 2008

Genes

Não sou muito dada a apegos familiares. Nunca fui. Mas há situações por demais evidentes às quais me rendo, perante certas palavras, risos ou reacções alheias que me espelham. É impressionante como me saltam expressões da boca exactamente com a mesma entoação da minha avó, como cozinho e despacho as tarefas com a mesma rapidez desenrascada da minha tia, como rio das mesmas piadas e das histórias contadas “daquela” maneira. E quando nos rimos revisitamos uma vida inteira de cumplicidades, de códigos que nos imprimiram na pele anos a fio, de geração em geração, que nos fazem reunir à volta do mesmo cozido à portuguesa, com os enchidos trazidos lá da terra alentejana. O avô não bebe outro vinho que não tinto e o tio mói o juízo do sobrinho pelo novo piercing e tece normas infalíveis para garantir mulherio pelo beiço. As couves servem-se na travessa verde e filhos e netos gozam o prato com as recentes saídas ao bailarico dos pais e avós.

Às vezes esqueço-me desse meu lado que lhes pertence. Mais solto, mais directo, mais simples, mais divertido, mais lascivo, mais… da origem. De dizer “na sê da nha tia”, de beber café das velhas, de me estatelar ao sol no quintal e meter conversa com os vizinhos, de sair com uma notita no bolso. E a verdade é que tudo isso me faz falta, porque me reconheço naquelas pessoas e o sentimento de pertença traz uma segurança que sabe bem, que remete para outros tempos vazios de problemas, responsabilidades, defeitos, zangas e intrigas que têm todas as famílias. Melhor ainda porque, apesar da frequência ser menor, a essência se mantém e porque com o tempo fomos aprendendo a sarar as feridas das perdas que doeram. Muito.

1 comentário:

Anónimo disse...

adorei este post
leo