quarta-feira, 31 de março de 2010

Cara de quem carimba postais

E depois é o vazio. No final da apresentação de um trabalho. Quando defendemos a tese. Depois de um exame. Quando chegamos de viagem e pensamos que podíamos ter aproveitado melhor. Quando aterramos num outro país e sentimos que não queríamos estar ali. Nos últimos cartuchos de uma festa de arromba. No final de uma aula que preparámos com mil cuidados. No fim de um banho revigorante. Depois de uma noite de amor... Depois é o vazio para quem estupidamente vive insatisfeito. Para quem, ao invés de sorrir em cada pequena vitória, teima em esmiuçar as tristezas e chamar àqueles momentos felizes puros acasos. Não vá o diabo estar à espreita...

sexta-feira, 26 de março de 2010

Fado

José Malhoa

terça-feira, 23 de março de 2010

Notícias da actualidade



Eu fui fazer um samba em homenagem
à nata da malandragem, que conheço de outros carnavais.
Eu fui à Lapa e perdi a viagem,
que aquela tal malandragem não existe mais.
Agora já não é normal, o que dá de malandro
regular profissional, malandro com o aparato de malandro oficial,
malandro candidato a malandro federal,
malandro com retrato na coluna social;
malandro com contrato, com gravata e capital, que nunca se dá mal.
Mas o malandro para valer, não espalha,
aposentou a navalha, tem mulher e filho e tralha e tal.
Dizem as más línguas que ele até trabalha,
Mora lá longe chacoalha, no trem da central.

Manel

Foto de Clara Azevedo


É este o Manel João, tal e qual aqui se vê. Absolutamente alucinado, a deambular mentalmente entre as imensas personagens que incorpora. Meio tolo, com laivos de inocência, a lascívia do costume, a desorientação parece tomar-lhe conta da cabeça, da vida. Faz e diz o que quer, está-se nas tintas para o que pensam dele ou para fazer boa figura perante a aparente importância de ser entrevistado de Anabela Mota Ribeiro. Sem filtro pela anarquia da conversa, mas carregada dos filtros que imprime aos próprios heterónimos. Ficamos na dúvida se estamos perante uma clara confusão de identidade ou uma assumida intenção de não ser coisa nenhuma para poder ser uma qualquer.

Não deixa de me fascinar, o Manel João. Gosto do ar alheado, como se acabado de sair da casa de repouso. Gosto que choque, como canta conas e caralhos em profunda seriedade de caso. Está velho, queimado, mas certo da vida que escolheu. É uma certeza que se inveja. Vê-se-lhe nos olhos a paz de espírito de quem seguiu um ideal à sua maneira. E os olhos alheios que se fodam.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Inspira. Expira. Exorciza.

Descobertas do Dia Mundial da Poesia [21/03]

É importante foder (ou não foder)?

É importante foder (ou não foder)?
É evidente que não, não é importante.
Fode quem fode e não fode quem não quer.
Com isso ninguém tem nada
Mas mesmo nada
A ver.

O que um tanto me tolhe é não poder confiar
Numa coisa que estica e depois encolhe,
Uma coisa que é mole e se põe a endurar e
A dilatar a dilatar
Até não se poder nem deixar andar
Para depois se sumir
E dar vontade de rir e d´ir urinar.

Isso eu quis dizer naquele verso louco que tenho ao pé:
«O amor é um sono que chega para o pouco ser que se é»
Verso que, como sempre, terá ficado por perceber (por mim até).
.............................................................................
Também aquela do «outrora-agora» e do «ah poder ser tu sendo
eu» foi um bom trabalho
Para continuar tudo co´a cara de caralho
Que todos já tinham e vão continuar a ter
Antes durante e depois de morrer.

[Mário Cesariny]

domingo, 21 de março de 2010

Finalmente

A melhor estação do ano.

sexta-feira, 19 de março de 2010

O tempo em Lisboa pode ser "um cachorrinho simpático"

Pisar Lisboa foi uma experiência aterradora. Não foram o trânsito infernal ou o tempo perdido em transportes públicos os motivos da minha aflição e do desejo de fugir para o sossego da pequena cidade. O tormento foi e é olhar restos de vida que se fazem ver muito mais aqui do que lá. A progressiva ligeireza ao passar por eles e quase já nem os ver é, essa sim, um ciclope maldisposto. Mas até com o tormento se aprende a viver...

Lisboa não é a cidade perfeita, nem queremos que o seja. Normalmente o que é perfeito enjoa-nos, engana-nos, porque na realidade não o é. E Lisboa não engana ninguém, mostra-se diariamente tal como é: um reboliço pegado que todos os dias tem para nos oferecer verdadeiros sopros de vida. E não me refiro apenas, nem principalmente, à música, ao teatro, ao cinema, às exposições... Penso no 28, no Jardim da Estrela, na relva do CCB, no quiosque do Camões, na calmaria da Sá da Costa, no Adamastor, na Praça das Flores, no miradouro da Graça, na delícia de conversar com ela em dias de sol e de poder abraçá-la quando chegam as primeiras cores do Outono.

Em Lisboa o tempo também dá a sensação de que não passa. Os transportes não são sempre diabólicos, as ruas não se assemelham sempre a formigueiros e é possível chegar em 10 minutos a muitos lugares catitas. O sol brilha de manhã e toma-se o pequeno-almoço na Confeitaria Nacional e logo depois exercitam-se as pernas num passeio à beira rio, onde se faz um piquenique sobre uma toalha aos quadradinhos. A tarde? A tarde tem tempo para ser o que se quiser e pelas 19h juntam-se os amigos para os caracóis e as imperiais, decide-se depois onde se quer jantar e a noite faz-se onde mais nos apetecer. Cada lugar pode muito bem ser aquilo que deixamos que seja...

Há muito que fizemos as pazes, eu e ela. Há anos que somos inseparáveis.

Pastelaria

Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício

Não é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra

[Mário Cesariny]

quinta-feira, 18 de março de 2010

Dicas cá da terra

Fui dar com um blog muito giro cheio de ideias e lavores com muito bom gosto e - esta é a parte melhor - feitos cá na terra. Argolasargolinhas. Mal entrei dei de caras com um "cache-pescoço" que além de funcional é fashion que se farta.


Depois, entre os sacos que gobicei à grande, fui encontrar umas almofadas de cereais, nada mais nada menos, que umas almofadinhas recheadas de cereais e ervas aromáticas. Após aquecer ou arrefecer, servem para aliviar dores musculares ou aquecer as camas dos minorcas.

Pois que gostei e recomendo. Parabéns à Helena.

sábado, 13 de março de 2010

Fetiches



Uma manga arregaçada. Um braço descoberto.

segunda-feira, 8 de março de 2010

terça-feira, 2 de março de 2010

Verónica

Não lhe gostava do nome, mas dela, por si só. Das coisas que lhe saiam da boca perfeita. Falava-me de feministas e comportamentos híbridos de género do alto dos seus recentes trinta. Quase sempre trazia o cabelo solto, bastante comprido, louro, louro, louro, gritantemente louro a rodear os olhos brilhantes verde-água, as feições delicadas, contornos firmes, esguios. Ela toda esguia, altíssima e nunca altiva, sempre descontraída, natural ao seu estilo casual. Olhava com um misto de doçura e sensualidade, uma vergonha na certeza daquilo que emitia em seu redor. Nós que nos rendíamos à sua sapiência, à vanguarda de pensamentos e modos, aos seus amigos bonitos que trazia para falar de recentes happenings, performances, instalações, manifestos. Eles num óbvio esforço por lhe agradar, ela educadamente indiferente, eu fascinada. Quase a medo de lhe falar, absorvia-lhe tudo, derretia-me nas nossas divagações, nas propostas de tese, no entusiasmo, na prontidão, numa cabeça tão igual à minha, mas a milhas de distância em deslumbramento. Acho que nos apaixonámos ali, sei-o hoje, entre os papers, a Donna Haraway, as apresentações, o Artaud e a Orlan, sob o tecto daquela que se diz católica.

Beat para um dia solarengo

segunda-feira, 1 de março de 2010

A tudo o que é demasiado certo.

Tretas. Irritam-me as pessoas demasiado certinhas, aquelas que têm tudo organizado, que não se esquecem de nada, conseguem cumprir todas as suas tarefas e ainda comprar o presente de aniversário do amigo do filho. Aquelas a que nada falha, pelo menos aos olhos de todos. As que vivem sob premissas de verdades inquestionáveis e modelos padronizados de vida, o modus estudar-tirar curso-arranjar emprego-casar-ter filhos. Revoltam-me ainda mais os rios de depressões desencadeados pela impossibilidade/dificuldade de o cumprir. As pessoas não vivem segundo os seus próprios padrões, não seguem o caminho no sentido dos seus quereres, mas sim segundo os modelos a que se auto-propuseram, mesmo não intencionalmente. Como se alimentassem a sua autêntica espiral de loucura e obsessão, quase por masoquismo e uma absoluta dose de perfeccionismo.

“A vida muda depois de sermos mães”. Outra grande treta. A vida muda tanto quanto o fim ou início de uma relação, a morte de uma mãe, um erro profissional. As mudanças são para quem as quiser aceitar porque no final, continuamos a ser o que sempre fomos: amigas, filhas, amantes, mulheres. Consinto apenas uma excepção no que conta ao sentido de confiança, segurança enquanto pessoas. De sentido mais apurado para o que realmente interessa e não interessa. Para melhor, portanto. No fundo, a essência mantém-se e, a meu ver, não se deve sequer tornar opaca. É fantástico, é magnânime é único e é eterno. É bom demais e nunca um precipício, um acontecimento abrupto, duro e de cara voltada para o passado, para o contínuo suspiro pelo que se era e se teve e se aspirou.

Vivo numa casa às vezes caótica, a minha filha nunca adormeceu à mesma hora, nem sempre janto, nem sempre almoço, esqueço aniversários, não dou a devida atenção aos amigos, não deixei de dizer asneiras, não vou deixar de beber uns copos. Vou no sentido que quero, ainda sou quem era e nunca mais serei a mesma.