quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

He had it coming


Cell Block Tango, Chicago

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Momento "Já agora valia a pena pensar nisto"*

"Porra", disse a Marquesa batendo com as tetas na mesa. Mas lembrando-se da esmerada educação que tivera na Suiça, logo retirou "porra". E disse "chiça".


* com selo J.M.

Por Dios!

Estou-me nas tintas para a vertente gaja-assanhada-de-língua-de-fora, definitivamente assumida. Mas a beleza dos elementos reveste-se de tantas peles que seria imperdoável não as destacar todas. E o que é facto é que este espécime comporta um je ne sais quoi entre o olhar profundo e uma pinta descomunal, a milhas de perfeições entediantes. Olé!

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Às seis da tarde

Às seis da tarde
as mulheres choravam
no banheiro.
Não choravam por isso
ou por aquilo
choravam porque o pranto subia
garganta acima
mesmo se os filhos cresciam
com boa saúde
se havia comida no fogo
e se o marido lhes dava
do bom
e do melhor
choravam porque no céu
além do basculante
o dia se punha
porque uma ânsia
uma dor
uma gastura
era só o que sobrava
dos seus sonhos.
Agora
às seis da tarde
as mulheres regressam do trabalho
o dia se põe
os filhos crescem
o fogo espera
e elas não podem
não querem
chorar na condução.

Marina Colasanti

Em digressão pelas Américas...

Já não falta muito. Além disso, estou cá bem. Não custa esperar pelo voo, embora às vezes pareça que não há meio de chegar a hora. Nem sei bem o que vou lá fazer: conhecer, viver mais, pôr à prova a autonomia, o desenrasca. Mas volto, prometo! Que eu até posso ser do mundo, mas o que eu sou mesmo é daqui. Do campo que é este país quando comparado com a imensidão do sul das américas. Sou daqui. De perto dos que quero bem e que a mim me querem ao alcance de um abraço a qualquer hora. Podem lá os telefone e toda a aparelhagem internáutica encurtar distâncias... Ainda por cima se levo comigo todas as resistências que sempre tive à novidade tecnológica. Sozinha? Até pode ser, mas já esteleci aí um contactozito que é capaz de não se fazer rogado a pôr a mochila às costas e partir para estas descobertas e, se ainda nos conhecermos por essa altura, talvez possamos propor-nos escrever aí umas peças para piano a quatro mãos. Daquelas que ficam guardadas no segredo dos deuses, naquelas caixas secretíssimas que se escondem debaixo da cama ou no fundo dos armários, e que a descendência só descobre muitos anos depois, quando já o pó e os bichos tudo comeram, menos as memórias dos que por lá passaram. Não, a minha caixa de segredos há-de ser para partilhar com eles, com os mais pequenos, para que saibam quem fui, onde vivi, quando me descobri, com quem me partilhei, com quem não me quis partilhar e porquê... Vai ser giro revolver ao serão as memórias em voz alta, responder a inquiridores curiosos, ali mesmo junto à braseira. Com a casa cheia!

No encalço da essência...

"But for those like us, our fate is to face the world as orphans, chasing through long years the shadows of vanished parents. There is nothing for it but to try and see through our missions to the end, as best we can, for until we do so, we will be permitted no calm." (When we were orphans, Kazuo Ishiguro)

A minha mãe diz que cada um de nós vem à Terra com uma missão. Ainda não descobri a minha e, talvez por isso, sinta esta inquietação permanente, este contrário da acalmia que, de vez em quando, tanto desejava ter. Mas a procura da essência é mesmo assim: um caminho de espinhos para no fim colher as rosas que por lá sempre estiveram mas que não conseguíamos ver.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Esta noite


Dispidida foi coisa que não quisemos fazer. Mais uma senhora que me deixa sem palavras. O concerto inteiro foi a puxar pela terra, pelo calor, pelo castanho, pelo batuque da saudade, da paixão e da identidade. Em momento algum aqueles músicos, com alma nos dedos, perderam a sintonia daquela voz doce, quente, rouca e sensual daquela menina de nome Mayra. Como se tal bela mulher personificasse Cabo Verde esta noite, ao emanar genuinidade por todos os poros e a fazer-nos suster a respiração a cada nota. Muito bonito.


Lua, Mayra Andrade

"Muito pra mim é tão pouco e pouco eu não quero mais"

Perturbas-me, já sabes. De noite vens de mansinho sussurrar-me palavras indecentes ao ouvido, para me atormentares os sonhos e me fazeres vaguear em fantasias caladas. Os dias nascem e a calmia regressa só até cair o sol de novo e com ele o teu sopro, a trespassar-me a alma e a gelar-me os ossos.

Quero-te no hoje, o que significa amanhã? Já nada faz sentido entre o amar, o confiar, o desejar e o pensar. Há uma mescla colorida de quereres, como um lindo bouquet de rosas com pequenos espinhos escondidos, bem apertadinhos em papel de prata para não magoar, mas sem lhes retirar a essência.

Se calhar assustaram-me os olhos que penetram e ferem o meu mais secreto, de tão sinceros e intensos. Não tenho a mínima vontade de mergulhar no oculto e não me move a luxúria, mas impõe-se o mais e o melhor de cada partícula dos dias partilhados. Nada menos que isso. Tudo de mim a seguir.


Muito pouco, Maria Rita

Lisboa



Lisboa e o Tejo, Domingo,
Carlos Botelho


"Logo a abrir, apareces-me pousada sobre o Tejo como uma cidade a navegar. Não me admiro: sempre que me sinto em alturas de abranger o mundo, no pico dum miradouro ou sentado numa nuvem, vejo-te em cidade-nave, barca com ruas e jardins por dentro, e até a brisa que corre me sabe a sal. Há ondas de mar aberto desenhadas nas tuas calçadas; há âncoras, há sereias. O convés, em praça larga com uma rosa-dos-ventos bordada no empedrado, tem a comandá-lo duas colunas saídas das águas que fazem guarda de honra à partida para os oceanos. Ladeiam a proa ou figuram como tal, é a ideia que dão; um pouco atrásm está um rei-menino montado num cavalo verde a olhar; por entre elas, para o outro lado da Terra e a seus pés vêem-se nomes de navegadores e datas de descobrimentos anotados a basalto no terreiro batido pelo sol. Em frente é o rio que corre para os meridianos do paraíso. O tal Tejo de que falam os cronistas enlouquecidos, povoando-o de tritões a cavalo de golfinhos.
(...)
«Noutros tempos, longos tempos, havia em Lisboa uma sereia...» Conheço uns versos de Robert Desnos que começam desta maneira mas é melhor ficar por aqui porque o Tejo não é de fábula nem de poema e corre sem nostalgias. E Lisboa a mesma coisa, disso podemos estar nós bem seguros. Só que, com o saber dos séculos e os sinais de muito mundo que a perfazem, sugere várias leituras, e daí que a cada visitante sua Lisboa, como tantas vezes se ouve dizer.
Daí também que nós, os que somos dela, lhe estejamos tão errantes na paixão. Um dia pode acontecer que, sentados como agora sobre o rio, a tentemos ler pela voz dos outros e então ainda nos sentiremos mais errantes, mais incertos. Entre uma Lisboa de Tirso de Molina, saudada como «a oitava maravilha», e a Lisboa que Fielding, o genial, amaldiçoou como um pesadelo leproso, correm águas insodáveis. Beckford viveu-a em palácio, Sade inventou-a num cárcere de rancores. «Lisboa oferece uma apreciável variedade de escolhas para um nobre suicídio», escreveu um dos grandes narradores dela, Antonio Tabucchi. Vozes, tudo vozes. Olhares. Memorações.
Quando por fim fechamos a página onde líamos a cidade, descobrimos que a vidraça do café está toldada por uma dança de gaivotas em turbilhão e que não há Tejo. Que desapareceu por trás duma desordem de asas e já não é prenúncio de oceano.
Então, ternamente, confiadamente, reconhecemo-nos ainda mais âncorados à cidade que nos viu partir. "

Lisboa, Livro de Bordo - vozes, olhares, memorações, José Cardoso Pires (2001)

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Já foi há 1 ano?


Por estas alturas atordoei os sentidos num dos momentos mais intimistas e bonitos daquilo que é beber música.

Acordares

Não penses que vou tecer largas meditações delicodoces. Não me perguntes porquê mas é este silêncio deste vazio que tudo diz. Por aquilo que somos quando estamos juntos no intervalo do som.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Muito, muito, muito bom


Mercy, Duffy

E parece que voltamos, mais uma vez, à estaca zero...

... agora que estão reunidas algumas das condições que se disseram necessárias. Mais um dilúvio. E não deve ser do tempo. Já estou como o outro: Com você eu tenho medo de me apaixonar. Nunca se sabe em que chão se pisa. Num momento é o mais confortável dos terrenos, no instante seguinte transforma-se abruptamente num terreno pantanoso, duvidoso, fugidio onde parece que já ninguém consegue andar. Não quero mapas nem a certeza de que não haverá obstáculos no caminho, tão-só a retribuição da verdade e da frontalidade que tanto se exige. Não quero juras de amor eterno nem promessas de que estaremos juntos até que a morte nos separe, mas acho que mereço ir sabendo em que pé a coisa vai. Não preciso que o amor seja dado na mesma medida, já sei que é um processo difícil, esse de largar as amarras, mas preciso saber se me queres e o quanto queres lutar para que desfrutemos o melhor possível do que agora vivemos juntos. Gosto de ter-te sorridente e [quem sabe] feliz, de olhar penetrante em abraços que cortam a respiração. Assim como te tenho hoje e ontem e no outro dia também te gosto [que posso eu fazer se me sinto a apaixonar-me?], mas também sou frágil, não sou farta em força e rapidamente me sinto angustiada por sentir que, afinal, não te tenho. No fundo, não te quero com aquele querer obsessivo, mas quero-te! E o mais incrível é que sabes disso. Terás tu tanta certeza de me quereres também? Mais uma vez me tens, absolutamente verdadeira, transparente...

Redimir pecados

Badalava o sino, tinha início a cerimónia. Comemorava-se a confirmação do espírito santo nas vidas dos crismandos entre música, salvas de palmas, pilares frios, bancos duros, choros de crianças, tosses de velhos e discursos enfadonhos. Leve, fofa e mal dormida debatia-me com divagações pecaminosas enquanto bispos e sacerdotes acenavam airosamente por atenção, pregando a alegria da vida em Cristo. Por mais que me concentrasse em tais desígnios, senhora dona minha mente voltava a despegar-se em fantasias ardentes, loucas de “ses” depois deste estado… líquido, em que me deixaste. De facto, a vida espiritual tem o seu encanto e não há dúvida que a religião acarreta certos princípios sobre os quais muito reflecti e cresci. Mas não havia meio da espiritualidade da pele das tuas costas que me ferviam ao toque, me sair da cabeça. Filosofei sobre os amassos, os lábios, os suspiros e as palavras abrasivas, mas era aquela pele, que apenas senti por segundos, que me fazia rodopiar entre as gravuras na parede, as imagens dos santos, o vinho e as hóstias e os sinos que continuavam a tilintar nos meus ouvidos. As mais esganiçadas das vozes bramiam “O senhor está em mim, a jorrar dentro de mim”, o meu corpo manifestava-se e ecoava o décimo mandamento subvertido após infinitas tentativas infrutíferas de te manter longe. Parece que há espíritos que se elevam quando se encontram num mesmo plano mediúnico. E que brincam e se enlaçam e se deslumbram numa química não científica.

No final, uma única certeza: não há salvação possível para esta alma impura.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Terapia do riso em dia de chuva!



Não pirilamparás a mulher do próximo, Herman Enciclopédia [apanhado por t.a.]

Mas faz-te bem a chuva...


Os Amantes,
René Magritte, 1928



... faz-te crescer. Disseram-me isto há bocado e a mula da minha cabeça desatou logo em considerações [sobre as quais não me apetece deter-me agora, senão nunca mais daqui saímos e ainda fico mais tempestuosa]. De facto, nos dias de sol pode cair-me a casa que normalmente fico na mesma: bem disposta, sorridente, luzidia. E aproveito para passear. Já os dias de chuva, controversos, conseguem normalmente fazer depender deles o meu estado de espírito. A não ser que irradie aquela felicidade inderrubável. Hoje não. Só se estivessemos os dois na sala em tons de castanho da casa de campo, sentados no chão sobre o tapete encarnado e laranja a saborear um bom vinho tinto com o fogo a arder à nossa frente. E em nós. Corpos nús, colados, molhados e sedentos e depois cansados e mesmo assim sedentos e cansados novamente e, por fim, meio adormecidos, nunca completamente, porque o formigueiro de te sentir mais uma vez fica cá sempre [por isso te procuro mesmo quando não me apercebo]. Ah, esse teu cheiro que se espalha nos tais movimentos fundos! Quem dera ter-te aqui agora para te mostrar o quanto te quero bem e aos poucos deixarmos cair a venda para podermos deliciar-nos com o que para além dela se esconde. Vens visitar-me amanhã?

Descobertas #4*


Breathe me, Sia


*com selo SG

Sabes,

quando ouves uma música que conheces e lhe encontras um pormenor nunca antes notado, que te faz apreciá-la de outra forma?

A lira sabe. E sabe tão bem…



Logo juntas a tua roupa
E dizes que a vida está lá fora
Passou a minha hora
Passou a minha hora
Passou a minha hora...

Control

Qualquer semelhança entre os desequilíbrios emocionais do vinho e de Ian Curtis é pura coincidência... Liga-os a quase contradição entre a vontade de viver sempre na correria das cidades, no frenesim das paixões e um certo bucolismo no regresso a casa que o primeiro, mais do que o segundo, gosta de experimentar com frequência.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Outros tons

Não terás para
meDarQuotidiano contigoAbrigoCorpo despidoNem
terás para meDarA segurança do
perigoMais do que o gestoOcupadoO afagoO
desmentidoNão terás para me DarO espanto de estar
contigo.

Recusa, Maria Teresa Horta

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Não, isso foi por perceber que estávamos em sintonia...

Ontem, altas horas já, arrancava-se a palavra sintonia. Bom ouvir palavras como esta nos entretantos das tempestades e das bonanças deste começarmos a ser dois. Depois de um silêncio desconcertante de que se conheciam as razões. Vai um abraço tipo polvo e depois, já mudadas as posições dos peões, sente-se uma mão forte no ombro a acompanhar movimentos e respirações agradavelmente (pro)fundas. Fica um obrigada e a certeza de que terás sempre a verdade.

Nota: ( ) acrescentado dois dias depois.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Soubesse eu ler

Desafia-me. Não encontro um início, nem sequer um meio e não imagino o fim para o que nunca foi. Algo me aquece entre o travo de um vinho intemporalmente amadurecido e o frenesim de descobrir. Refreia-me tudo aquilo que me é disforme, por ser turvo. Pela mera possibilidade de prenunciar um abismo e eu não tenho asas. Ainda.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Uma grande senhora

Daquelas à antiga que transpiram soul e expelem as dores directamente das entranhas. Os temas são outros, mas a intensidade é a papel químico. Aqui, numa alternativa menos comercial, com um baixo que vibra no peito. Mereceu × 5.


You know I'm no good, Amy Winehouse

Reikian mode

Experiência interessante, embora breve. "Deixa acontecer, não reprimas nada do que sentires que tens vontade de pensar ou de fazer". Média luz, música, incenso, branco. Silêncio e olhos fechados. Tão concentrados na música achamos que não vamos conseguir "sair" dali. Embora cépticos, deixamo-nos relaxar um pouco mais e o corpo vai ficando dormente até já mal o sentirmos. O lugar onde se está vai deixando de ser familiar, podia ser aquele como qualquer outro. As mãos quentes do mestre percorrem mais ou menos os caminhos dos chakras e sente-se mesmo a sua energia em comunicação com a nossa. Sente-se o esforço que faz para nos aliviar da tensão acumulada. Com algum medo perguntamo-nos "mas o que é que está a acontecer?", desconcentramo-nos propositadamente para não nos perdermos por caminhos que desconhecemos. Sem darmos conta voltamos a relaxar completamente e lá estamos nós fora do corpo. Da cabeça, para a cara, depois para os pés, para os joelhos e para as mãos. Nas mãos... último ponto de passagem do mestre, ponto onde, quando menos esperamos sentimos uma brisa no peito e começamos num choro baixinho, de lágrimas grossas. Redentor. Até à próxima semana em que voltaremos a dar-nos a experiências que noutros tempos desacreditávamos piamente.

Outros devaneios

A Bruni que há em mim presta-se a devaneios com o Sarkozy que há em ti (com as devidas ressalvas a tendências ideológicas).


You can bring your dog, Tori Amos

You can bring your dog
I got three
He can play the wolf for the evening
If you were to get lost behind these locks
Ain´t that a good thing

I´m not making any promises
I´m not living to be the Mrs.
I´m not making any promises honey
But you still got that something pretty boy
You still got that something as a man
Of this I know

domingo, 10 de fevereiro de 2008

A primeira vez do sopro

- A menina alguma vez soprou no balão?
- Ó senhor guarda, de facto é a minha primeira vez.
- Então vamos a isto, menina! Não custa nada! [...] Pronto, pronto, já chega! Não ouviu o apito?
- Não, senhor guarda, estava tão empenhada no sopro...


É impressão minha ou pôr a boca num objecto fálico, ajudada por um estranho de uniforme, às 4h30 da manhã é um bocadinho... vá lá... perverso?

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Odeio-te... e tenho medo




O grito,
Edward Munch (1893)




Hoje odeio-te!

Odeio-te a ti que és o mais fundo de mim por me não deixares sossegar, por quereres partir sempre em descobertas ao invés de te sentares na cadeira de baloiço no alpendre ao sol aos domingos à tarde a ouvir os frutos de um amor como não há subirem às árvores e usarem a fisga em tiros certeiros a alvos que não têm culpa.

Odeio-te por fazeres de mais um dia um tormento desde que abro os olhos ao sol da manhã até que me deito exausta de tantas voltas dar para te iludir e enganar com passes de mágica, fingindo-me feliz.

Odeio-te por fazeres de mim aquela de quem todos gostam por estar sempre de acordo e por ter esta forma peculiar de sentir.

Odeio-te por fazeres de mim um reboliço de sentidos, sentimentos, emoções, recordações, paixões loucas, amores estupidamente insatisfeitos. Por me fazeres ser este sim com sopas, este não sei, talvez, este pode ser que um dia.

Odeio-te porque a cada dia agudizas a tarefa de me descobrir a mim própria, de saber quem sou, o que quero e onde não quero estar.

Odeio-te porque tão depressa me fazes rir como chorar, querer ficar como fugir, viver como adormecer profundamente de sentidos absortos, perdida em horizontes de uma felicidade sossegada que duvido algum dia alcançar, qual doente mental que constrói castelos na areia, embora ciente de que amanhã irão ruir e que volta a erguê-los com um sacrifício medonho embalado pelo sonho de que um dia a água não virá desmoronar aquilo que tanto lhe custou erguer.

Odeio-te porque tenho que viver contigo...

Pessoas que se vão e outras que nos surgem


Sketch for Several Circles, Kandinsky

A pedrada é certeira. O progresso é um ciclo. O equilíbrio é tal que as ausências resultam sempre num regresso ou numa descoberta no meio de um acaso qualquer, no tempo certo. São inevitáveis as perdas que abrem caminho a novos encontros com os outros e connosco. No entretanto acumula-se o melhor de nós.

"Nunca são as coisas mais simples que aparecem
quando as esperamos. O que é mais simples,
como o amor, ou o mais evidente dos sorrisos, não se
encontra no curso previsível da vida. Porém, se
nos distraímos do calendário, ou se o acaso dos passos
nos empurrou para fora do caminho habitual,
então as coisas são outras. Nada do que se espera
transforma o que somos se não for isso:
um desvio no olhar; ou a mão que se demora
no teu ombro, forçando uma aproximação
dos lábios."

Nunca são as coisas mais simples, Nuno Júdice

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Descobertas #3*


Mudar de bina, Norberto Lobo


*com selo LA

[Sem título 2]

Honestidade e respeito, apesar de tudo. Um vazio. Pode ser que o tempo seja nosso amigo e nos ajude a recuperar o equilíbrio. Vai demorar, mas eu tenho fé... Um dia acordamos e as memórias já não nos torturam e podemos evocá-las sempre que quisermos. Já não nos sentimos assaltados por elas, passam a ser uma companhia agradável, bem-vinda. Entretanto chora-se por dentro e sente-se uma dor feia no peito e o coração fica pequenino e queremos fugir e depois queremos ficar e sentem-se mil uma coisas ao mesmo tempo. E temos medo... mas no fundo sabemos que por agora foi o mais acertado.

Saudades dela também...



Mãe e Filho, Gustav Klimt



Quem vier dizer que as amizades que se deixaram descurar por alguns anos nunca são recuperadas na totalidade, não sabe do que fala. Há evidências claras de que isso é uma grande mentira. Mas só pode saber disso quem lá está e quem lá está sabe-o bem.

Vi lá em casa uma fotografia muito bonita. Uma boa surpresa logo pela manhã. Uma moldura azul, uma cena de verão: tu e a tua melhor amiga que mesmo não estando não deixa de zelar pela tua felicidade. Já lhe agradeci por ter tratado de fazer com que os nossos caminhos se cruzassem novamente, agora mais do que nunca não saberia viver sem ti. Tenho saudades dela também. Minha querida...

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

É desta!

Dizia-me ontem minha rica avó que lera o meu horóscopo na Dica da Semana (pasquim no qual muito lhe apraz ler tal verborreia premonitória). “Ouve, olha que aquilo és tu chapadinha! E não é que diz lá que vais conhecer o homem da tua vida brevemente?! Vai por mim que aquilo não se tem enganado muito, bate tudo certinho! Até porque homem pequenino ou é velhaco ou dançarino, e dançarino não era o outro…!”

É à Dona Aninhas – como carinhosamente lhe chama o meu avô – que devo tudo de místico que se impregnou em mim ao longo dos meus parcos anos de vida. É aquela veia divinatória misturada com sangue espanhol que lhe dá a veneta e o brilho nos olhos. “Olha que eu nunca me engano!” E lá isso é verdade, vó…

Ainda hoje viamos o “Pátio das Cantigas” e lá vinha ela a resmungar as centenas de vezes que já tínhamos visto aquele filme. Mas volta e meia dava por ela toda contente a rir-se das piadas que já sabe de cor, ao ver que até à miúda saíam gargalhadas perante as picardias do António Silva e do Vasco Santana.

A minha avó que discute futebol como poucos homens é o pilar da minha fundação. Bem antes dos dias em que entre dentadas no pão com manteiga, os trabalhos de casa e a Rua Sésamo lhe berrava para a cozinha:
- Vó, 8×7?
- 56!

E posto isto, deixa-me lá aperaltar que, mais dia menos dia, esbarro aí numa esquina qualquer com o meu predestinado príncipe e tenho que estar au point.

Cores e sabores

Depois de forte insistência do meu querido amigo SG, frequente portador de boas novas musicais, lá cedi a mergulhar por inteiro num dito arco-íris que anda a dar que falar. Confesso que não ia muito confiante, até porque, do que me resvalou pelos ouvidos, soava demasiado melodramático. Bem me enganei… Até porque já me estava mais entranhado do que imaginava.

Sabe-me a chás e longas conversas pela noite dentro. Sabe-me à parte mais interessante das descobertas.

Bem que se disse que ia ser só carnavalizar!

Bem giras. Amarelas. Naquele registo a que já nos habituaram, diz ela. Soturnas? Com pena? Com a pena. Sempre. Porque com penas me deito e mais penas me levanto! Daqui a pouco encarnamos aquela personagem e já ninguém nos pára. E o lema repete-se: é sempre a aviar cartucho! Sim, porque de boquilha e lábio "rosso" o feminino está ao rubro. Já se começa a sentir por nós acima aquela comichão, aquela inquietação, aquele climax que é urgente soltar! Afinal, há 14 anos que não fazia nada disto. E o mais certo é que amanhã digamos que não queremos outra coisa... Entrudos. Intrusos? Venham eles, minha gente, que isto é uma emergência!
Vai de abanar as plumas, as tiras, as mamas, os cabelos e os medos que hoje é mais uma daquelas noites... de exorcismo! Uuuuuuuuuu...! Exorciza mulher. Afinal, o que é que vieste cá fazer? Exorcizar esses medos que te perseguem. Vai um beijo! Será esta a noite de maior "siamesismo"? Talvez. Ou amanhã...!

- Leia muito! É uma piada "à Fénix".
- Ela tem que entrar!

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Carnavalizar


[Carnavália, Tribalistas]

O entrudo, o enterro do bacalhau, como diz o outro, são as coisas que eu mais detesto no mundo. Mas pronto, hoje lá estaremos a carnavalizar-nos [aqui permitem-se todas as leituras, afinal, ninguém leva a mal] uns aos outros. Ao fim de tantos anos.

A ver...

O rei mimado está feliz e sem rival

Não pensei que alguma vez acontecesse. Muito menos agora. Mas a verdade é que começo a ganhar-te urticária.

E a triste certeza de que nada nos liga. Não há paciência para uns acenares desesperada e estupidamente vingativos.


O rei mimado, Mão Morta

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Quando [parece que] não se tem mais que fazer...

Hoje quando folheava uma revista de saúde deparei-me com um artigo em que se descodificavam os sonhos. Que se vai a cair, a fugir, a voar são sonhos que encontram significado naquele artigo. Mas... e ter-se sonhado em criança, vezes sem conta, que se é o Super Mário e se fica grande de cada vez que se come o cogumelo e se volta a ficar pequeno quando se é apanhado à traição por aqueles bichos rastejantes? [Atenção aí quem estiver a fazer analogias com outro funghi bem marados. Podem vir aí crianças deixar o seu testemunho e, decerto, não gostariam de ficar a saber que o que não falta para aí são champignons esquisitos que nos fazem querer ser grande e voltar a ser pequeno e ser tudo e mais alguma coisa].



Bem apanhada a interpretação do tema da banda sonora destes sonhos. Quem padeceu de tal perseguição ponha o dedo no ar.

Chuva, chá, Vinicius

A chuva sempre me deu tesão. Provavelmente são apenas associações involuntárias do meu cérebro: humidades puxam humidades. Por outro lado, tudo o que é cinzento, molhado, frio, pede vermelho, suor, calor... fogo! Como último toque, a ideia de intimidades recatadas enquanto chove lá fora é a cereja romântica no topo do bolo. Numa noite em que se desenrolava uma destas cenas de produção cinematográfica, reparei:"Já viste que está a chover mais intensamente agora?" A tua resposta carregada de lábia rematou o happy ending: "Claro que sim. Achas que é por acaso?" A chuva presta-se até a tais romances...

É inevitável relembrar a mão que desliza pelo vidro embaciado, cena tão brega, de filme tão deprimente... Mas há sensação melhor que sentir um corpo quente que nos envolve enquanto olhamos a chuva e as folhas que voam pelo ar? Há conforto maior do que contrastar a temperatura tórrida de sexo com o agreste Inverno da rua, apenas denunciado pelos vapores ofegantes com os quais desenhamos na janela?

Não há nudez mais bonita e de maior prazer.

O som da chuva que cai na estrada, nas poças, são línguas encharcadas de saliva que se envolvem a um ritmo frenético, são o vai-vem dos sexos que escorrem quentes licores, são as barrigas que se colam e descolam no suor. As gotas da chuva são a lágrima que se solta no orgasmo intenso, são a água salgada que o corpo expele e que escorrega até ao fundo das costas, que fica atrás dos joelhos das pernas flectidas. O toque da chuva é o dedo frio que penetra o esconderijo mais quente de nós, é o bafo de calor de uma boca sob o mamilo túrgido.

É o choque de sensações numa sinfonia de prazeres.

Já mencionei que adoro chuva?

[Sem título]

E depois há os espíritos livres, que quando se vêem fechados começam a sufocar e têm que sair dali para fora. Uma claustrofobia do sentir que genuinamente sabem que não conseguem contornar a não ser experimentando outros sentimentos noutro sítio com outras pessoas. Já deixaram de sair a correr, conscientes, hoje, do mal que podem fazer a quem fica por mais alguns instantes. Usam passinhos de lã que acreditam serem menos cruéis. E sofrem. Sofrem sempre que têm que sair, tanto mais quanto um dia sentiram que era ali que pertenciam. De vez em quando o olhar fica triste e distante, perdido no mundo que se construiu e que aos poucos irá ruir. Saboreiam-se as memórias, lembram-se cheiros, situações. Agradece-se por se ter podido um dia viver a história mais bonita. Pede-se perdão pela tristeza que se causa. E diz-se baixinho, porque estes dizeres magoam, que será melhor assim...