quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Diz aí Seu Jorge!

Vamo chegando no suíngue, gente!



*longo suspiro de descompressão*

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Fica bem

Fica bem sermos contra a globalização e a favor dos direitos dos animais. Fica bem ler este ou aquele autor. Fica bem ler, ponto. Fica bem comentar outros blogues, criticando ou elogiando a opinião alheia. Fica bem tecer longas considerações sobre a situação política actual, remetendo para intelectuais e suas teorias pseudo-filosóficas. Fica bem falar de sentimentos profundos em densos textos carregados de adjectivos, frases curtas, palavras chocantes e pontos finais arrebatadores. Fica bem sermos viajados e contarmos as nossas experiências e o quanto vivenciámos o multiculturalismo por esse mundo a fora. Fica bem falar de sexo sem tabus. Fica bem expor uma vasta cultura musical: portuguesa, alternativa, jazzística, enfim, Música do Mundo! – adoro este rótulo... Fica bem revelar as profundas reflexões do dia enquanto misturámos o açúcar no café. Fica bem ser possuidor de um humor frio, irónico, rebuscado com o qual unicamente mentes brilhantes acedem à gargalhada fleumática. Fica bem reflectir sobre temas banais e transformá-los em verdadeiros ensinamentos para a vida. Fica bem demonstrar um certo distanciamento face a situações que puxam ao sentimento.

Fica bem olhar para dentro de vez em quando. Porque “fica bem” criticar, como se passou acima.

Metades... com outro tanto

Hoje vou falar de metades. [Ontem antes de ir dormir pensei em dissertar sobre a minha pancada por casacos, mas por hoje fica adiado, pode ser que me dê para aí outro dia].
No domingo passado alguém me contava que dantes, quando os nossos avós ainda estavam aí para as curvas havia três tipos de copos de vinho. De momento, confesso que só me lembro de um, a famosa ametade. Ora bem, é por aí que vou começar: não me parece que mesmo nessa altura os senhores nossos avós se contentassem só com uma ametade e vai daí, "ó faxavor, é mais uma". E o que é que dá uma ametade mais uma ametade? Ora, nem mais, um copinho de vinho bem servido! Depois vinha a terceira, porque não há duas sem três, e estou em crer que passavam fins de tarde inteiros nisto mas haviam de acabar sempre em número par. Que assim é que é bonito! Depois temos a expressão "uma metade e outro tanto". O outro tanto aqui só faz sentido se for outra metade. Verdade? Senão dizia-se "uma metade e mais um bocadinho", parece-me a mim. E quanto é que dá uma metade mais uma metade? Precisamente: um! Consultando o imenso mundo das receitas [que eu não domino, aviso já] também é fácil perceber que ninguém aconselha a deitar meio ovo na argamassa, mesmo que seja para fazer um bolo bem pequenino. Mais coisas... Comprimidos para dormir. Meio comprido? Eh pá! Se é para dormir, é para dormir, então vai de emborcar um inteiro que é para garantir o sono até de manhã. E, meus amigos, quem é que resiste a não comer o segundo pastel de belém, que é como quem diz a outra metade que nos ficou a faltar na última trinca do primeiro? E depois há o Eça que também deve ter percebido que só com o seu monóculo não se safava, aquilo cheira-me que era só para o estilo.
Portanto, se em nenhum destes casos funcionam as metades, entre eu e tu muito menos. Um dia destes compramos um bilhete inteiro e havemos de viajar por aí de mochila às costas à descoberta de nós.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Possível banda sonora das memórias...

Tenho o wmp a percorrer aleatoriamente a curta banda sonora do meu computador para ver se me inspiro e se não me centro em sonoridades que, por demasiado bonitas, me puxam ao sentimento. Vai daí que tenho estado tranquila porque, por sorte, têm-me saído umas mais animadas na rifa. Estava eu a comentar a alegria do Belleville Rendez-Vous e a lembrar-me do teledisco quando, logo depois, oiço os primeiros acordes da guitarra portuguesa. Pára tudo! Vai de confirmar quem era e lá estava ele o meu querido Carlos do Carmo a trazer-me à lembrança memórias de últimos momentos da vida de um dos homens da minha vida. Ainda tive o impulso de clicar em "seguinte" para ver se mudava de ares e se não me caía hoje a lagrimita, mas pensei "ora, porque é que não hei-de ouvir? Apesar do final não ter sido o mais feliz, as recordações são boas". E foi isto. Um beijo na testa, avô!

Vermelho de vida

Woman bleeding, Lora Arbrador Eu sou uma mulher
que sempre achou bonito
menstruar.

Os homens vertem sangue
por doença
sangria
ou por punhal cravado,
rubra urgência
a estancar
trancar
no escuro emaranhado
das artérias.

Em nós
o sangue aflora
como fonte
no côncavo do corpo
olho-d'água escarlate
encharcado cetim
que escorre
em fio.

Nosso sangue se dá
de mão beijada
se entrega ao tempo
como chuva ou vento.

O sangue masculino
tinge as armas e
o mar
empapa o chão
dos campos de batalha
respinga nas bandeiras
mancha a história.

O nosso vai colhido
em brancos panos
escorre sobre as coxas
benze o leito
manso sangrar sem grito
que anuncia
a ciranda da fêmea.

Eu sou uma mulher
que sempre achou bonito
menstruar.
Pois há um sangue
que corre para a Morte.
E o nosso
que se entrega para a Lua.

Eu sou uma mulher, Marina Colasanti

É para amanhã...

Viver não é parar: é continuamente renascer. As cinzas não aquecem; as águas estagnadas cheiram mal. Bela! Bela!, não vale recordar o passado! O que tu foste, só tu o sabes: uma corajosa rapariga sempe sincera contigo mesma.
E consola-te que esse pouco já é alguma coisa. Lembra-te que detestas os truques e os prestidigitadores. Não há na tua vida um só acto covarde, pois não? Então que mais queres num mundo em que toda a gente o é... mais ou menos? Honesta sem preconceitos, amorosa sem luxúria, casta sem formalidades, recta sem princípios e sempre viva, exaltantemente viva, miraculosamente viva, a palpitar de seiva quente como as flores selvagens da tua bárbara charneca! [Florbela Espanca, Diário - 12 de Janeiro de 1930]

Mais uma vez a Florbela... Não que lhe conheça a vida e obra por aí além, mas encontrei-a mesmo na altura certa. Ontem foi dia de partilhar da sua amargura, hoje de exaltar os dias que passam plenos de emoções e de corpos fervilhantes. O que hei-de fazer com esta seiva que me percorre, quente, e me não deixa concentrar por querer partilhá-la hoje, contigo?

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

É domingo...

Os domingos oprimem-me. Desde miúda que abomino este dia. É dia de neura, de tédio, de ressaca, de ficar a bezerrar à tarde no sofá a ver o filme da tanga, de pensar no que não se deve, de arrastar as poucas horas que faltam para voltar ao trabalho, de regressar ao reboliço da grande cidade. A partir daqui entro numa nova dimensão. Os pensamentos que me voam na mente, enquanto viajo de mãos ao volante, traduzir-se-iam certamente numa extensa colectânea de romances, divagações filosóficas, contos infantis ou, quiçá, poesia erótica. Se a tais elementos adicionasse, então, banda sonora – que consta impreterivelmente em qualquer viagem – tínhamos guião para filme, na certa.

Sempre em concha, mas a fervilhar de/para o mundo.

Por aqui sofre-se em silêncio. Chora-se baixinho, no escuro, escondem-se os olhos inchados e disfarça-se a voz arrastada. Sempre foi assim, porque sempre se viveu assim e não se conhece outra forma de ser. Mas chora-se, sim. Depois curam-se as dores com os dias enquanto estoicamente se travam lutas interiores. Só quando esta massa está bem misturada, e mil vezes peneirada quase pó, nasce o sorriso sem sombra. Até lá não desarma. Não é tão luzidia, é um facto, bem sabe que não há-de tardar a surgir outro combate inesperado, é outro facto, mas continua a não existir melhor profilaxia/terapia que o sorriso.

E vai de regressar à produção de enredos fantásticos! O que eu me divirto…

"Amanhã não estaremos aqui,
veja se bebe um pouco e sorri
E tira esses olhos do chão!
O futuro é lindo: eu já vi!
O avião vai directo para lá!
Vamos embora dessa aflição!"


São Paulo 451, Belle Chase Hotel

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Descobertas #2



Hoje Quem?, Nuno Prata

Fragmentos dos dias*

Sono reflexões tardias termómetro é tão bom uma amizade assim massagens pendurante rapto-te bacalhau com batatas e azeite solidão mãe água nas flores frio fico a fazer-te companhia sangria ressentimento homem meu tem que gostar de Jeff Buckley stress Londres Amesterdão risos a menina não acha café quente da manhã não dances assim à minha frente Maria Lisboa livros cama no chão prometo que é a última vez que o chateio hoje escrever sonhar contigo pipocas fotografias je me cague pour ça novo salto sede és tão previsível positivismo adormecer a ouvir música vinho triste confiança


*Com inspiração m.b.

Do que se podia ter dito mais...

É óbvio que ficam sempre coisas por dizer. Mas o silêncio cortante do interlocutor impede uma boa clarificação das ideias e sempre que vamos para dizer alguma coisa o pensamento bloqueia, o que queríamos dizer mantem-se atrás dos dentes e só sai um "nada, não ia a dizer nada..." e perdem-se oportunidades para contar novidades da semana caótica, porque cheia de emoções fortes. E depois nunca sabemos se lhe apetece ouvir-nos. De nos abraçar desconfiamos que ainda ali haja uma réstia de vontade, de nos beijar, quem sabe, agora de nos ouvir... De falar, então, nem se fala. Não se ouve um pio. Acho que o olhar fixo, embora breve, cumpre a máxima de que o silêncio vale mais que mil palavras mas, e se incorremos em romanceadas interpretações [aqui não resisto a uma chamada de atenção mesmo na mouche, muito bom!] que, afinal, acabam por ser puramente alheias da realidade? Voltam a criar-se expectativas de voos mais altos e depois catrapumbas, lá ficamos outra vez estatelados cá em baixo. O melhor é esperar mais um pouco por próximos carnavais. E do que se disse depois do adeus muito ficou ainda por dizer, muito talvez não, mas uma coisa ou outra importante. Pode ser que para a próxima o interlocutor esteja mais disponível...

Do vinho e da lira

Pois que outra coisa não poderia ser senão vinho. Tanto mais que não toca, não canta. A música entrou na sua vida faz tempo, pela janela da sala do fundo, o escritório, da casa de campo num dia de Outono, enquanto esboçava os primeiros esquissos de uma história de amor ao mesmo tempo que tomava um copo do elixir da vida e vagueava lentamente com o imaginário pela imensa floresta que se erguia lá fora e que todos os dias podia ver à sua frente. À média luz, sempre à média luz, pois que quem é vinho não se atreve a aumentar a claridade com medo que lhe roubem a essência, lhe descubram a capa com que se cobre e se deixem ver as olheiras fundas, fruto do cansaço de viver. Melancólica. [Uma pessoa bonita, dizem alguns]. Por isso, a lira a completa com o seu brilho natural, aquela alegria de quem irrompe pela casa ao sábado de manhã com um saco cheio de vegetais e fruta colorida e uma mão cheia de flores que podiam ter sido acabadas de apanhar no jardim da casa ao lado. Qual frescura! [Obrigada...]

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

No fundo, sempre de volta da essência...

Difícil é fazer fintas à nossa essência. Bem tentamos, mas qual quê?! Anda sempre aquela sombra ali a acompanhar-nos os passos. Às vezes, olhamos para trás e parece que se foi, respiramos de alívio e sorrimos porque aquilo que queríamos não ser parece que realmente se foi. Olhamos outra vez só para nos certificarmos mas lá está ela outra vez [devia estar um edifício qualquer no caminho a fazer uma sombra maior do que a nossa e não dava para ver bem]. E depois temos duas hipóteses: ou aceitamos a nossa essência porque, no fundo [lá bem no fundo e só daqui a uns anos], deve ser o que nos faz verdadeiramente felizes, ou resignamo-nos e andamos aqui por ver andar os outros, para sofrer menos e não fazer outros sofrerem. Se calhar devia ser mesmo assim, numa de altruísmo. Mas... e quem não sabe não ser genuíno? Fica a pergunta, porque eu a esta não sei responder.

Endiabrada Bela! Estranha abelha que dos mais doces cálices só sabes extrair fel! "Para que quer esta criatura a inteligência, se não há meio de ser feliz?", dizia, dantes, meu pai, indignado. Ó ingénuo pai de 60 anos, quando é que tu viste servir a inteligência para tornar alguém feliz? Quando, ó ingénuo pai de 60 anos?... Só se pode ser feliz simplificando, simplificando sempre, arrancando, diminuindo, esmagando, reduzindo; e a inteligência cria em volta de nós um mar imenso de ondas, de espumas, de destroços, no meio do qual somos depois o náufrago que se revolta, que se debate em vão, que não quer desaparecer sem estreitar de encontro ao peito qualquer coisa que anda longe: raio de sol em reflexo de estrelas. E todos os astros moram lá no alto, ó ingénuo pai de 60 anos! [Florbela Espanca, Diário - 23 de Janeiro de 1930]

E a Florbela também não...

A problemática da virose

Dói-me tudo.

Doem-me as costas, doem-me os joelhos, dói-me a garganta, dói-me a cabeça, dói-me o pescoço, doem-me os pulmões e os rins. Dói-me a pele, senhores!

Canso-me por qualquer coisa, tenho arrepios, febre e passo a vida a suspirar. Haja paciência para mim… É que chegar ao degredo de não ter forças para expelir a minha urinazinha matinal, é dose!

Diz que não. Acaba em “ose”, mas é uma virose… Virose?! O meu lado consciente e bem comportado chamar-lhe-ia antes noites-com-mais-juizo-e-agasalhadinha-é-o-que-é-preciso. Mas esse anda de tal maneira adormecido que já não lhe ligo nenhuma.

Enfim, deixa-me lá ir emborcar mais um Brufen 400, calçar a meiuxa de lã sexy, vestir pijama e robe, ajeitar os 3 cobertores, edredon e mantinha, pois claro. Para o caso de a noite arrefecer… Ó se arrefece!

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Para pensar(mos) um bocadinho melhor...

Uma boa acção...

Só Deus sabe porque desligaste o telefone deixando a meio uma conversa importante, que teimo em não querer terminar... Saí nessa altura e arrastei-me até ao autocarro com a iminência de já te ter perdido a atormentar-me o pensamento. [Ainda não me doía a cabeça, mas agora dói.] Quase a chegar ao meu destino, eis que se atravessa um carro no caminho e, travões a fundo, o autocarro dá uma guinada brusca. Ouve-se um grito vindo dos lugares da frente. Éramos só cinco, foi fácil perceber quem tinha caído. Alguém correu de imediato para junto do ferido [ligeiro, um arranhãozito no nariz e uma dor feia no pescoço], era uma senhora. Ainda me fiquei um minutito no meu lugar a pensar que não tinha sido nada e que sendo assim podia deixar-me estar, egoísta, de volta dos meus botões a arranjar uma maneira de te apanhar [se calhar com uma daquelas redes de pesca bem grandes, hein? "Ou, às tantas, tento só com o coração", pensei]. Mas a verdade é que estava ali alguém que podia precisar de mim. Fui para junto da senhora, fiz-lhe umas festinhas na cara e "não chore, assim ainda fica mais nervosa...". Mas nada, a senhora continuava e eu sem conseguir tirar os olhos dela e sem conseguir tirar-te a ti de pensamento.

Chegou o INEM e:
- Minha querida, o que é que se passa, onde é que lhe dói? [Ainda me ri um bocado à custa dos dois paramédicos simpáticos]
- Aqui no pescoço, dói-me muito e aqui também, dizia tocando no nariz e na testa.
[Paramédico 2, aquele que não chamava "querida" à senhora] - Tem alguma doença?
- Que eu saiba, não!
- Toma alguns comprimidos?
- Sim, para dormir.
- Hum... Teve alguma depressão nervosa?
A senhora acenou que sim com a cabeça. Na mouche!

Depois o Paramédico 2 voltou-se para mim. Perguntou-me se eu era familiar da senhora ou se a conhecia. Respondi que não a ambas as perguntas. Ele fez um olhar espantado e disse que, hoje em dia, não havia muita gente assim. [Assim como, Paramédico 2?! Assim como eu, que ando para aqui prostrada há dois dias e que até sinto que a senhora me está a fazer melhor a mim do que eu a ela? Há para aí muita gente mais bondosa do que eu. Acredite...]

Hora de a senhora ir passear ali até ao Santa Maria e eu sem conseguir arredar pé. Pedi ao Paramédico 2 que lhe perguntasse se preferia que eu a acompanhasse. Ela abriu muito os olhos, olhou para mim e disse que não sabia, a menina deve ter mais coisas que fazer... [De facto, tinha. Mas o que era o que eu tinha para fazer perto do bem que me estava a sentir por saber que a minha companhia a sossegava?]. Assim foi: toca de subir para a ambulância e lá vou eu a olhar para a senhora como que a agradecer-lhe aquele bocadinho juntas.
Algum tempo depois de chegarmos àquele corropio de entra e sai de macas e doentes, chega o marido [esquizofrénico, por sinal], seu único familiar. Aproximei-me da maca onde a senhora estava deitada, fiz-lhe a última festinha na testa, disse-lhe que ia ficar tudo bem. A senhora olhou-me com gratidão e muito obrigada, minha querida. Desviei o olhar devagar e fui saindo de fininho. Despedi-me do Paramédico 2 e atravessei a imensidão do pátio do hospital. Sozinha.

Obrigada eu, por me ter libertado um bocadinho que fosse desta tristeza que trago. Dias amargos...

Tem razão, sim senhora!



(Para levantar os ânimos)

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

O Boletim Meteorológico (2)


Botas, Van Gogh, 1887

Parecia que estava a adivinhar chuva... Ele, o Instituto de Meteorologia, bem disse que não garantia por quanto tempo brilharia o sol em pleno Inverno, mas vir assim um dilúvio de um momento para o outro, sem que primeiro fosse dado o alerta laranja? E o mais estranho é que desta vez os meus joelhos não deram sinal de mudança do tempo, eles que são sempre os primeiros a precaver-me. Realmente tenho aqui uma dor chata nas costas, às tantas mudaram-se os videntes um pouco mais para cima, estavam fartos daqueles joelhos feios. Mas, insisto, eu que todos os dias vou à página do Instituto [ao contrário do que ele pensa, todos os dias passo lá a dar uma espreitadela só para ver como param as modas e acabo sempre por me deixar demorar em memórias dos dias e noites de Verão que já tivemos, e o corpo aquece...], não teria o direito a ir sabendo das mudanças deste clima que, a bem da verdade, foi sempre mais para o tropical? Ora chove, ora faz vento, ora está um calor de ananases, ora volta a chover sem se perceber bem por alma de quem...
No fundo, até se percebe: como é Inverno, o sol espreita sempre a medo, acena lá por entre as nuvens e de vez em quando ainda consegue pôr-lhes uma acção de despejo e lá vão elas fazer da vida de outros um tormento. E entretanto, habituamo-nos a tê-lo a brilhar na cara logo de manhãzinha e, como se não quisessemos acordar de um sonho, abrimos os olhos devagarinho até percebermos que é verdade, que o sol brilha ali só para nós, e desatamos em abraços apertados e beijos demorados desejando que assim permaneça por muito tempo. Por isso, vamos cuidando dele com carinho. Até porque os dias vão ficando maiores e ele gosta de sentir-se em casa... Mas este é o tempo das chuvas e as nuvens voltam a atacá-lo e ele, sempre um bocado confuso, lá se vai deixando levar pelo negrume dos dias cinzentos. E como nunca diz que quer ficar e que até gosta de brilhar aqui por estas bandas, prefere não arriscar e vai-se deixando levar conforme as ordens das nuvens que ainda pairam sobre a sua cabeça. Ele é que às vezes se esquece do quanto gostamos que brilhe para nós... Só já não sei se irei a tempo de lho lembrar.

Siga a dança que este ano é par!

Para a frente é que é caminho, minha gente! Há coisas bem mais importantes do que ficar a olhar para lá do que se vê a tentar adivinhar como vai ser o amanhã. Viver com medo do que aí vem não traz saúde nenhuma, o que é preciso é agir para que não aconteça o pior e possamos todos viver em paz. [Por isso, não vou esperar mais que venhas para jantar, se ainda me apanhares antes de começar, muito bem, jantamos juntos, senão já sabes: com sorte terás o resto no microondas.] O que me interessa é saber que ela está bem, o resto pouco importa, sem ela é que não dá para continuar. Então, se ela precisa de mim tenho é que libertar-me de outros dilemas para estar verdadeiramente disponível. Não é anular-me e viver uma vida que não é a minha. Acontece que eu deixo de viver quando ela se for e, portanto, tenho mais é que lutar para que esta vida dure ainda longos anos por muito que, a cada passo, haja mais uma pedra no caminho e pareça que não há saída possível. Dos fracos não reza a história, é o que se diz por aí e com razão. E eu não quero ver o meu nome na lista dos fracos... Mais ou menos como tocou aí uma lira certo dia: siga a dança que este ano é par e o que fica para trás já eu conheço de ginjeira. Tenho mais é que usar da força de que alguns me elogiam e dançar com ela uma dança apaixonante e divertida. Serena. Sossegada. Feliz.


[Mariza, Chuva]

Lenha e fogo

Fire, Yves Klein

Contámos estórias das quais já conhecíamos o final. Contámos segredos que nunca escondemos. Contámos piadas só pelo prazer de rir. No turbilhão dos corpos brilharam os perfis na luz do fogo à nossa frente e o tempo passou sem darmos conta. Descobrimos cada recanto do nosso espaço evitando os becos que poderiam não ter saída, por nos aprisionarem e ameaçarem com armas invisíveis.

Abriram-se hipóteses, pernas, risos, almas, dúvidas, bocas e afins. Demos as mãos no grito enquanto se misturavam os suores e os licores, e se libertavam odores de estranhos incensos e velas. As palavras sussurradas entre suspiros, num mergulhar interrupto, húmido de genuinidade, afogaram-se quando despontou a luz do dia e regressou o nevoeiro que não chegou a esfriar o desejo. Eis que o Homem Brisa reincorpora a dureza objectiva e impenetrável, metamorfoseando o sonho em pequenas lascas.

Nunca as nossas tintas tingiram a tua tela, pintor. São pálidas demais para colorir as estórias que delineámos. Porque já se ouvem os primeiros acordes da próxima valsa e urge acertar o passo, sob pena de tropeçar na correria dos supostos. O sangue desceu e a cabeça orienta-se depois do voo em espiral. Os olhos ainda encontram bocas, mas delas saem línguas que já não entendemos e arrumam-se ideais perigosos, bem guardados, para apenas se voltarem a resgatar em noites assim. De lenha e fogo. Quando a fantasia pedir alimento, se rasgarem os “ses” e se ouvir a claquete – “Acção!” para o que não chegaremos a realizar.

“Maria, tenho a certeza que o prazer das mulheres é o quebra-cabeças favorito de Deus.”

domingo, 20 de janeiro de 2008

Quero ficar contigo, ao sol

Já sei que um dia tenho que te perder. É a lei da vida. Mas não me deixes agora, não nos deixes, pois que seremos, que faremos nós sem ti? Mais nada fará sentido nesta vida. Por isso, o melhor mesmo será partir contigo, deixar de ser, deixar-me comer pelo bicho da saudade, porque nessa altura o do amor já me terá levado o coração e qualquer possibilidade de sentir. Fazes parte de mim. Nem força terei para lutar contra as forças que me impelirão a ir contigo.

Penso em ti. Imagino o teu sorriso lindo, a tua gargalhada contagiante e começo a sorrir também. Mas há quanto tempo não passa isto de pura imaginação? Há quanto tempo não consegues libertar-te dos fantasmas que te querem levar para longe? Eu sei que lutas como ninguém para continuar por cá, mas até quando? Malvado tempo que nos consome, que nos tira a cada minuto que passa mais um minuto de vida juntas. Atrasem-se os relógios dois anos e comecemos tudo de novo. Por favor! Não peço mais nada. Juro.

Todo o tempo que passamos juntas é pouco, apesar de até o aproveitarmos bem. Apetece-me a toda hora abraçar-te, dizer que te amo e ver-te sorrir por isso. Mas parece que os abraços já não chegam, preciso sentir-te mais e não sei como. É como se cada minuto aproximasse a hora de nos deixares. Mas se o fizeres eu vou contigo. Para partilharmos a eternidade. Ao sol.

sábado, 19 de janeiro de 2008

Revisito-nos...


[Maria Rita, Cupido]

Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.


[Manuel António Pina, Amor como em casa]

Como se o que se expressa nestas duas formas de arte espelhasse o traçado daquele caminho: um momento apaixonado substituído lentamente pelo vazio do revisitar uma vida já vivida. O cheiro. O toque. O olhar. A música. O amor. De uma maneira ou de outra, acho que vão ficar sempre.

Cantigas do Maio em Janeiro

Queria escolher só uma do Abril da Cristina Branco, do Mário, do Alexandre, do Bernardo e do Ricardo, mas não consigo. Gosto de todas. Quem é capaz de juntar às cantigas do Zeca aquela musicalidade só pode estar de parabéns! E quem teve oportunidade de os ver ao vivo teve a prova provada de que aqueles meninos não brincam em serviço. [Quanto a mim, amo o Mário Delgado e o seu ar semi-louco a dar para o intelectual; já o Frazão, enfim, dá-lhe bem na bateria e sempre lavamos as vistas]

E o Zeca... meu querido Zeca, companheiro de longas tardes no sofá do avô, ainda menina. O disco já velhinho tocava as do Eu vou ser como a toupeira vezes sem conta. A minha preferida: A Morte Saiu à Rua. Recordo-te todos os dias sem banda sonora, mas hoje apetecia-me voltar a sentar-me sozinha no teu sofá, chamar o Zeca, e com as janelas da sala fechadas, esperar que viesses dar-me um abraço e oferecer-me o teu silêncio. Há muito tempo que não me fazes uma visita, avô. Nunca mais te sentaste na minha cama a fazer-me festas na cabeça enquanto trabalho à secretária. Estás zangado? Talvez tenhas ido só viajar... Quando voltares vem dizer-me olá. Fazes falta cá na terra. Gosto de ti.

Humor de cão hoje. Melancólica e saudosista. Bem portuguesa!



[Avenida de Angola, com Cristina Branco - voz, Mário Delgado - guitarra, Ricardo Dias - piano, Demian Cabaud - contrabaixo e André Sousa Machado - bateria]

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Por cá, finalmente

Leituras, banho, cobertores, toques indiscretos, boa música, chocolate. Comigo só para mim. Bom fim-de-semana.

Descobertas*


Beirut, Elephant Gun

* Com selo SG

Onde estamos?

Cumprimentou-me como se não nos víssemos apenas há 5 minutos. Parece que nem me viu, eu que me quedei ali à sua frente como as duas primeiras pessoas que o cumprimentaram. Apenas eu não tive direito a um sorriso rasgado. Sentei-me, precisava descansar. E aproveitei aqueles longos minutos que antecederam a sua subida ao palco em septeto para revisitar toda a história: Linda, uma história de encantar! Sorrisos, toques, gargalhadas, beijos, conversas, o coração sempre a palpitar a cem à hora. Mas ao que parece, isso foi lá atrás. Hoje parece que não passamos de bons amigos e não foi nada disto que planeámos, não foi isto que os corações sentiram quando nos cruzámos a primeira vez.
Que é feito daquilo que fomos? Dantes qualquer pequeno pormenor lhe saltava à vista, hoje nem sequer reparou no meu vestido novo. Não é que o facto de o vestido ser novo tenha alguma importância, é o sentir cada vez mais que o vento está a mudar. Também eu não dei conta de um monte de mudanças que foram acontecendo. Fez-se do dia-a-dia rotina e ela dá cabo de tudo. Acho que perdemos o rasto do caminho que começámos juntos...

Silêncio.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Parabéns...

... pelo sorriso e pelas maçãs do rosto
... pelos abraços apertados
... pelos beijos suados
... pela pele molhada e quente
... pelas explicações históricas da importância da trajectória lunar
... pela descoberta a pouco e pouco do que teremos para dar
... pela partilha do que receamos não saber construir
... pelas poucas mas bonitas palavras
... pelo meu formigueiro no corpo
... pelos chocolates a meio da noite
... pelos sonos entre os corpos enroscados
... pela partilha de desejos viajantes e pela possibilidade de te acompanhar
... pelas aulas de astronomia cheias de entusiasmo!
... pela insistência em chamares-me fugitiva
... por gostares da minha companhia [e da minha comida]
... por fazeres aquela cara quando estou a ralhar contigo
... por [ainda] estares aqui e eu poder abraçar-te a toda a hora

Parabéns trinta vezes!

Às nove e meia no Maria Matos

É este o novo álbum ao vivo de Sérgio Godinho, cujo single de lançamento é uma lufada de ar fresco de cada vez que a oiço...! Ah o que me inspira a brincadeira e disparate, a tempos vazios de preocupações ou responsabilidades! Mais: relembra-me como é bom uma amizade assim no antes e no agora! Entre tantas outras... Um hino à alegria da infância! Porque... "É tão bom uma amizade assim Ai, faz tão bem saber com quem contar Eu quero ir ver quem me quer assim É bom pra mim e é bom pra quem tão bem me quer"

Porque...

"É tão bom uma amizade assim
Ai, faz tão bem saber com quem contar
Eu quero ir ver quem me quer assim
É bom pra mim, é bom pra quem tão bem me quer"

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Refinação

Às vezes apetecia-me puxar pelas mil e uma que existem dentro de mim, mandá-las ao ar como um baralho de cartas e ver qual delas caía primeiro, qual delas virava a face. Torna-se cada vez mais óbvio que o “eu” que apresentamos é fruto de uma construção. Uma construção de ideias, de princípios, de vontades, de imagens, de vícios que fomos arquitectando até chegar à obra final, numa sucessão de maquetas imperfeitas e inacabadas. E a verdade é que consoante a direcção do jogo, começamos a saber puxar do trunfo que nos fará ganhar a vaza. Sem acaso. Pouco genuíno, talvez. Mas, no fundo, não passa de um processo de auto-conhecimento que dilui o ruído e peneira a substância mais pura, como pequenos diamantes que sempre tivemos bem no fundo e que vamos aprendendo a fazer brilhar. É isto que fazemos quando, num profundo momento de fraqueza, saltam da cartola as palavras que demoraram rios de sal a sair com tranquila leveza. Apaga a luz da amálgama mundana, putrefacta de desejo e ciúme. Brilha o mais digno de nós num púlpito altivo de lucidez. “E agora queira dar licença que eu já vou.”

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Ó chefe!

Sai um balde de água fria para o número seis, primeiro direito, faxavor!

PS: Aceitam-se outras sugestões para combater um acentuado (e anunciado) aquecimento nocturno.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Piano Concert No. 2 In C Minor

Os posts são como os orgasmos [esta paga direitos de autor]! Primeiro que uma pessoa chegue lá... Senhores! Sobretudo para quem não vai lá por acesso directo, mas... adiante!
Ora, o processo de escrita de um post: para alguns, aqueles que são fartos em boas ideias e em talento, embora acredite que nem sempre seja um processo fácil, deve ser mais ou menos como andar de bicicleta, nunca esquecem e, mais coisa ou menos coisa, chegam lá. E é bom!; para outros, os tais que "não vão lá" com essa facilidade, o processo é mais sofrido, mas mais compensador. Porquê? Primeiro: precisam de achar que encontraram uma boa ideia, uma frase que dê o mote. Segundo: precisam de tempo para amadurecer essa ideia [às vezes pedem a alguém que os ajude, mas também se safam bem sozinhos]. Terceiro: estão ali algum tempo no escreve, apaga, escreve, apaga, o que lhes dá alguma "pica" porque começam a desconfiar que o resultado vai ser de qualidade, qual composição de Rachmaninov para piano! Quarto: uma vez que não foram tão abençoados quanto o russo genial, têm que ter mais paciência e insistem e tentam outras formas de dar a volta ao texto e voltam à forma inicial e já suspiram porque agora que estavam tão entusiasmados com a escrita é que já estão a adivinhar o desenlace da história, então forçam-se a apagar uma linha ou duas e reescrevem e voltam a apagar para tornar a escrever da mesma maneira e escrevem, escrevem, escrevem com as ideias a fluir cada vez melhor e mais depressa e... aaaaaaaaaah! Voilà! [E estou em crer que assim é muito melhor do que quando as ideias se atropelam todas logo de início e se chega ao fim num abrir e fechar de olhos]

domingo, 13 de janeiro de 2008

Interlúdio

E agora, caros leitores, um temático interlúdio literário-musical, entre Adolfos e Marqueses, sob o jugo do último dos pecados. Que se inflamem as hostes e reflictamos em mais sete dias que se avizinham! Sem dúvida, uma visão masculina. Sem dúvida, uma visão interessante nesta noite quente. De chuva. A sétima, que há sete dias atrás também o foi: a da luxúria.

"Falais-me dos laços de amor, Eugénie; oxalá nunca os conheçais! Ah! Que um tal sentimento, pela felicidade que vos desejo, nunca se aproxime do vosso coração! O que é o amor? Parece-me que só poderemos considerá-lo como o efeito resultante das qualidades em nós produzidas por um belo objecto; estes efeitos arrebatam-nos; inflamam-nos; se possuirmos o objecto, eis-nos contentes; se nos for impossível tê-lo, desesperamos. Mas qual é a base deste sentimento?... O desejo. Quais são os resultados deste sentimento?... A loucura. Falemos do motivo e provemos os resultados. O motivo consiste em possuir o objecto; pois bem! Tentemos consegui-lo, mas com sagacidade; gozemo-lo quando o tivermos; consolemo-nos no caso contrário: mil outros objectos semelhantes e, frequentemente muito melhores, consolar-nos-ão da perda daqueles; todos os homens, todas as mulheres se parecem; não há amor que resista aos efeitos de uma sã reflexão. Oh! Não há maior engano do que essa loucura que, absorvendo em nós os resultados dos sentidos, nos coloca em tal estado que deixamos de ver e existir, senão para esse objecto loucamente adorado! É isso viver? Não será antes privar-se, voluntariamente, de todas as doçuras da vida? Não será querer permanecer devorado por uma febre ardente que nos absorve e nos devora, deixando-nos apenas a felicidade dos gozos metafísicos, tão semelhantes aos efeitos da loucura? Se devessemos amá-lo sempre, a esse objecto adorável, se fosse certo que nunca devessemos abandoná-lo, seria indubitavelmente uma extravagância, mas, pelo menos, desculpável. Acontece isso? Têm-se muitos exemplos dessas ligações eternas, que nunca se desmentiram? Alguns meses de gozo que depressa devolvem ao objecto o seu lugar verdadeiro, fazem-nos corar pelo incenso que queimámos nos seus altares e vamos muitas vezes ao ponto de nem sequer conceber que ele tenha podido seduzir-nos até esse ponto.

Oh, raparigas voluptuosas! Entregai-nos, pois, os vossos corpos, tanto quanto puderdes! Fodei, diverti-vos, eis o essencial; mas fugi cuidadosamente do amor. Ele só tem de bom o físico, dizia o naturalista Buffon, e não era só por isto que era bom filósofo. Diverti-vos, repito; mas não ameis; não vos perturbeis por isso: não deveis externuar-vos com lamentações, suspiros, olheiras e ternos bilhetes; o aconselhável reside em foder, multiplicar e trocar frequentemente de parceiros; deveis, sobretudo, opor-vos a que um só queira cativar-vos, pois que o fim deste amor constante seria, ligando-vos a ele, impedir-vos de vos entregar a um outro, egoísmo cruel, que cedo se tornaria fatal aos vossos prazeres. As mulheres não são feitas para um só homem: foi para todos que a natureza as criou. Se escutarem apenas esta voz sagrada, deverão entregar-se indiferentemente a todos aqueles que as queiram. Sempre putas, nunca amantes, fugindo do amor, adorando o prazer, só encontrarão rosas no caminho da vida; só nos prodigarão flores!"

Marquês de Sade, A filosofia na alcova

Alguém me explique

... como se mantem a dignidade, quando nos vemos envolvidos num jogo em que não quisemos participar.

A propósito destes jogos, há uns que valem a pena ver.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Frases e filosofias para uso dos jovens

"Como costumava dizer um famoso relações públicas da noite lisboeta, o mês de Janeiro é o mais engonhado de todos. Depois dos excessos natalícios e de fim-de-ano, fica tudo um pedaço embotado. O dinheiro gasto, o físico também. Mas não podemos esmorecer: está aí um ano novinho em folha para desfainar. É claro que toda a gente pensa no ano que vem antes de ele chegar. Alguns aproveitam para fazer projectos de vida, promessas e juras. Chama-se a isso as Resoluções de Ano Novo, que os jovens pensam serem um hábito recente. Mas não. Consta que são já anteriores ao nascimento de Cristo, o que equivale a dizer que são mais antigas que o Natal. Os romanos também pensavam, quando o Ano Novo se avizinhava, em ir mais ao gymnasium, e em moderar as orgias. Como se pode ver, continua tudo mais ou menos igual.
Não havia era previsões da OCDE, nem do Banco de Portugal para nos ralarmos. Havia sempre os deuses a quem implorar - sacrificavam-se mais umas virgens, atiravam-se mais uns quantos aos leões, e pronto: talvez o ano corresse de feição.
Nesta era do individualismo hard-core e da descrença, estas coisas já não funcionam. Há que ler o Orçamento de Estado para 2008, o Tratado de Lisboa, e estar a par das cotações da bolsa para saber se o nosso destino vai, finalmente, mudar.
Mas será que queremos realmente mudar, ou tudo não passa de uma fantasia típica da época, para nos ocupar durante o mês de Janeiro e chegarmos a Fevereiro exactamente na mesma? Os cientistas antropológicos apontam para esta última hipótese. Tudo indica que as Resoluções de Ano Novo fraquejam pouco depois de serem tomadas. E ainda bem. Elas representam o nosso lado mais careta e auto-repressor. Parecem ditadas pelo provedor Diácono Remédios que cada um de nós tem a viver dentro de si, e que ataca especialmente nesta altura do ano. Já repararam como quase todas começam pelo verbo «deixar»: de beber, de fumar, de comer? Nunca ninguém anuncia «vou divertir-me mais este ano», «vou ter mais sexo» ou «vou estoirar o dinheiro do PPR». Esta tradição enjoativa também ajuda à engonhice do mês de Janeiro: andam todos convencidos, pelo menos até dia 15, que se vão regenerar, e que este ano é que vai ser, e blah, blah, blah. Perante isso, há gente que, precavida e sábia, já nem toma resoluções. Começa o ano sem perder tempo, virando serenamente mais uma página do calendário e planeando ao pormenor a alegre continuação de uma vida dedicada a soltar a franga.
Pensando nuns e noutros, deixo algumas sugestões.
Para o folgazão imperturbável: A desfaina do mês de Janeiro tem que se lhe diga. É preciso ter muita vontade, vencer o frio que cola qualquer um ao sofá e, principalmente, «não se pôr com coisas». Tem de se ir atrás das tentações, por pequenas que sejam. O tamanho não importa. Ao contrário de Dezembro, em Janeiro devem aceitar-se todos os convites para festas, jantares, lançamentos ou inaugurações. A partir da segunda quinzena, é provável que comece a encontrar os primeiros desistentes das Resoluções de Ano Novo, ainda envergonhados, hesitantes, e a cravarem cigarros porque deixaram de fumar. Para os evitar, aconselha-se a noite dos impenitentes, à terça-feira.
Para o folgazão arrependido: Se acha mesmo que a sua vida muda com a passagem de 31 de Dezembro para 1 de Janeiro, o melhor é fazer listas. Fica tudo escrito e assim não haverá desculpas. Listas longas e pormenorizadas. Escreva agora e compare no final do ano, ou mesmo daqui a dez.
Para fazer uma lista infalível, deve substituir a habitual expressão «vou deixar» por «vou mudar», e escrever à frente: de marido(a)/ de namorado(a)/ de amante/ de marca de cigarros/ de música/ de roupa/ de clube/ de droga/ de ares/ de conversa.
Se, na pior (e muito previsível) das hipóteses, não conseguir cumprir as promessas que fez a si próprio, só tem uma solução: suborne-se a si mesmo. Mas não conte a ninguém.
Quanto a mim, o que posso contar é que na única lista que fiz, há uns anos, queria ir a Berlim, comer menos batatas fritas e ganhar o euromilhões. Ainda não fiz nada disto. Desde aí fiquei alérgica às Resoluções de Ano Novo: estou pobre, gorda, e só consigo ir a Barcelona. Mas pelo menos nunca prometi que ia deixar de fumar, ou de fazer sexo em grupo. Há que ser realista.
E demais, tenha sempre em mente o ensinamento do outro que, por não conseguir tomar uma resolução, foi parar à prisão: «Todas as boass resoluções têm uma fatalidade: são sempre tomadas demasiado cedo»."

[Maria Antónia Oliveira & António Néu, in Blah, Blah, Blah, Janeiro de 2008]

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Hmmm...

Porque é mulher. Porque é bonita. Porque tem uma voz rouca, doce, sensual. Porque é uma declaração de amor das mais bonitas que já ouvi. Porque aquece. Porque excita. Porque embala. Porque acaricia o fundo.


Carla Bruni, Le toi du moi

Je suis ton pile
Tu es mon face
Toi mon nombril
Et moi ta glace
Tu es l'envie et moi le geste
Toi le citron et moi le zeste
Je suis le thé, tu es la tasse
Toi la guitare et moi la basse

Je suis la pluie et tu es mes gouttes
Tu es le oui et moi le doute
T'es le bouquet je suis les fleurs
Tu es l'aorte et moi le coeur
Toi t'es l'instant moi le bonheur
Tu es le verre je suis le vin
Toi tu es l'herbe et moi le joint
Tu es le vent j'suis la rafale
Toi la raquette et moi la balle
T'es le jouet et moi l'enfant
T'es le vieillard et moi le temps
Je suis l'iris tu es la pupille
Je suis l'épice toi la papille
Toi l'eau qui vient et moi la bouche
Toi l'aube et moi le ciel qui s'couche
T'es le vicaire et moi l'ivresse
T'es le mensonge moi la paresse
T'es le guépard moi la vitesse
Tu es la main moi la caresse
Je suis l'enfer de ta pécheresse
Tu es le Ciel moi la Terre, hum
Je suis l'oreille de ta musique
Je suis le soleil de tes tropiques
Je suis le tabac de ta pipe
T'es le plaisir je suis la foudre
Tu es la gamme et moi la note
Tu es la flamme moi l'allumette
T'es la chaleur j'suis la paresse
T'es la torpeur et moi la sieste
T'es la fraîcheur et moi l'averse
Tu es les fesses je suis la chaise
Tu es bémol et moi j'suis dièse

T'es le Laurel de mon Hardy
T'es le plaisir de mon soupir
T'es la moustache de mon Trotski
T'es tous les éclats de mon rire
Tu es le chant de ma sirène
Tu es le sang et moi la veine
T'es le jamais de mon toujours
T'es mon amour t'es mon amour

Je suis ton pile
Toi mon face
Toi mon nombril
Et moi ta glace
Tu es l'envie et moi le geste
T'es le citron et moi le zeste
Je suis le thé, tu es la tasse
Toi la putain et moi la passe
Tu es la tombe et moi l'épitaphe
Et toi le texte, moi le paragraphe
Tu es le lapsus et moi la gaffe
Toi l'élégance et moi la grâce
Tu es l'effet et moi la cause
Toi le divan moi la névrose
Toi l'épine moi la rose
Tu es la tristesse moi le poète
Tu es la Belle et moi la Bête
Tu es le corps et moi la tête
Tu es le corps. Hummm !
T'es le sérieux moi l'insouciance
Toi le flic moi la balance
Toi le gibier moi la potence
Toi l'ennui et moi la transe
Toi le très peu moi le beaucoup
Moi le sage et toi le fou
Tu es l'éclair et moi la poudre
Toi la paille et moi la poutre
Tu es le surmoi de mon ça
C'est toi Charybde et moi Scylla
Tu es la mère et moi le doute
Tu es le néant et moi le tout
Tu es le chant de ma sirène
Toi tu es le sang et moi la veine
T'es le jamais de mon toujours
T'es mon amour t'es mon amour

Já lá vai um mês?!

Comemorar um mês de existência é uma coisa espectaCLar! Ainda mais quando se está de boa saúde. "Temos orgulho no nosso rebento e isso tem que ser festejado", pensámos. Vai daí que isso implica, naturalmente, copos, bailarico e boa companhia. Nada mais óbvio que o tão aclamado Chico da Vaca como destino, rumo à noite mais alucinada do mês. Pelo menos assim prenunciava... As ideias, os pensamentos, sentimentos e sensações fervilhavam. A vibração que de nós saía pedia exorcismo e a velha química de irmãs siamesas voltava a surgir. Como o cheiro da casa de infância que se sente no local mais inusitado. Afinal o rebento ia bem mais além do virtual e revelava-se o elo esquecido [mas não perdido], fruto de partilhas de essências tão familiares. E a música tocava no coração. Tantas vezes! Abraços para aqui, beijos para ali, juras de amor eterno entre as duas que julgavam saber viver uma sem a outra. A vida surpreende-nos a cada dia... E para comemorar o melhor que a vida lhes deu no último ano, toca de emborcar meia de dúzia de copos de vinho zurrapa e esquecer as nódoas negras de tempos idos. Ai! Não há emoção que aguente! E emoção é o seu nome do meio. Porque no fim de contas, de uma forma ou de outra, nunca deixaram de falar de amor. E o quanto teceram, fiaram e bordaram a esse respeito resultou num patchwork de risos, choros, raivas, ternuras, alucinações e outras humidades. Ah... o sexo! E que melhor forma de culminar esta comemoração orgíaca de ideias senão entre braços quentes e línguas suadas? Uma e outra vez, minha amiga maior que o pensamento! É sempre a aviar cartucho!

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Tratado de paz?

A propósito do viajante do Vai e vem de ontem, alguém me perguntou agora mesmo "Então, já fez as pazes?". Sorri. Senti o estômago numa reviravolta e respondi "Sim, acho que sim! Acho que fiquei mais sossegada. Hoje, só...". "Antes tarde...", responderam os sábios 71 anos da minha mais recente amiga. Saiu logo depois, também ela mais tranquila. No último mês tem andado aí numa azáfama a ver se me evangeliza e se, de uma vez por todas, baixo a guarda. Obrigada.

[Tenho dúvidas de que as tréguas sejam para todo o sempre mas, pelo menos hoje, abracei-o duas vezes. Uma conquista!]

E ficamos caladinhos, pois claro

Quando "ética da responsabilidade" não significa mais do que o cinicamente aclamado défice democrático, este é o resultado que temos.

Não há paciência para tanta demagogia, nem para as tangas que nos impingem durante 4 anos numa faculdade.

Foder

[vulg.] ter relações sexuais; copular; prejudicar; deixar em péssimo estado; foda-se! exclamação que exprime espanto, admiração, impaciência ou indignação.

E digo eu: aquilo que se passa no burgo [fig.]

Ora nem mais!

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Vai e vem...

Lá vais tu outra vez... Foi sempre assim: tenho-te aos bocadinhos. Há mais de 12 anos que tento habituar-me a este sermos-só-de-vez-em-quando. Ao princípio foi difícil, nem sabes quanto te senti a falta. Uns anos depois comprei um escudo para fazer frente ao exército da tua ausência e, mal ou bem, tem-me dado jeito. Talvez devesse perdoar de uma vez por todas e sossegar esta revolta com um abraço, mas de cada vez que te chegas o mais que consigo é dar-te umas palmadinhas nas costas, mesmo ao jeito daqueles abraços sensaborões que me irritam profundamente. Desculpa! Mas acho que vivo desiludida pelo rumo que a vida podia ter seguido e não seguiu, pelo que podíamos ter feito juntos e não fizemos. E agora parece-me tarde demais. Ao mesmo tempo sinto que passo a vida a crucificar-te pelo que queria que fosses e não foste e já és mais um bocadinho, mas ainda não completamente, mas também talvez nunca sejas e não tem mal nenhum... Quantas pessoas das que gostamos são como gostaríamos que fossem? Prometo esforçar-me por te tirar um pouco do peso que sei que carregas nas costas pelo que tu também querias ter sido... Pode ser que na próxima temporada já tenha a coisa mais resolvida, por agora é tudo o que posso dizer-te. Podia dizer-te também que hoje sinto um aperto no peito porque já te vais embora outra vez. Mas isso não digo.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

O Boletim Meteorológico

Notícia de última hora [apesar de trazer um atraso de 5 dias]: ao contrário das previsões que fui consultar [só para tirar as teimas] ao arquivo do Instituto de Meteorologia, o 2.º dia do ano trouxe o bom tempo de volta ao canal. Não garante por quanto tempo, mas já não é mau!

Depois de meia dúzia de dias agrestes com o vento a soprar a mais de 150 km/hora, e contra todas as expectativas, lá voltámos a tê-lo a soprar fraco a moderado, é uma brisa agora. O sol voltou a espreitar, embora ainda a medo, por entre algumas nuvens densas. Também, em pleno Inverno o que é que se pode esperar mais? Isto com o tempo vai lá...

É que eu gosto de andar encasacada, mas prefiro andar de perna ao léu com os vestidinhos de alças que já fui ali recuperar ao armário.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Femina

Orlan, Cindy Sherman, Barbara Kruger. Tomei conhecimento da existência destas senhoras a propósito de um trabalho sobre o movimento feminista e a sua repercussão nas artes.

Estas mulheres manifestam a sua condição através da pintura, de instalações ou mesmo fotografia e denunciam de forma gritante o que significa, hoje em dia, ser mulher. No geral, todas elas se concentram no corpo. A verdade é que, cada vez mais, a diferença entre homens e mulheres reside no corpo. E, se assim é, que valor lhe damos, de que forma o assumimos, onde se relaciona com o pensamento?


Orlan será, provavelmente, a artista mais chocante, que se sujeitou a diversas operações plásticas filmadas, fotografadas como se ela própria fosse uma obra de arte a ser trabalhada, retocada. Ao mesmo tempo que o faz agita consciências sobre a mútua banalidade e sobrevalorização do corpo: seremos apenas um corpo passível de ser transformado, desfigurado, magoado em nome de supostos itens sociais? Até que ponto somos escravas/escravos dele?


Sob a perspectiva da patologia e da victimização das mulheres debruça-se o trabalho de Cindy Sherman, num constante apontar de estereótipos culturais, questionando a opressão, a identidade sexual e o feminino.


Já Barbara Kruger utiliza a linguagem de imprensa e de propaganda, focalizando-se na violência e na descriminação, frequentemente fazendo uso de outdoors com mensagens agressivas, imperativas. O intuito primordial é desconstruir a visão masculina que recai sob a mulher e criar-lhe a si própria uma versão.

É óbvio que todas estas questões levantam uma outra de base: não será a assumpção do próprio termo “feminismo” a marca de que as mulheres são, de facto, diferentes, quando se auto-recriminam uma especificação? Não será esta necessidade uma constatação de que homens e mulheres são, de facto, distintos? Inteligência, sensibilidade, pensamento não serão faculdades universais a ambos os sexos…? Sê-lo-ão com certeza. No entanto, actualmente, o que se proclama de "feminismo" reside bem mais num berro às mentes adormecidas pelo marasmo social. Muitas vezes, um berro, precisamente, às mentes femininas que perderam a noção crítica. Um chocalhar de ideias que saibam ser contra-poder e vozes incómodas.

Uma descoberta que mudou a forma de me ver a mim própria, à lupa do género. Inspiram-me. Incitam-me a pensar. Despertam-me.

Coisas de mães e filhas...

Se me faltas tu como é que é? Vai-se-me o chão, ele que já não está tão certo quanto isso, mais para o acidentado. Aí é que me fico mesmo sem luz... Quando me acorre à ideia essa possibilidade toda eu gelo, deixo de me sentir, parece que me vou contigo. Que razão para continuar por aqui às cegas? A outra mulher da minha vida é razão mais que suficiente para manter a lucidez e o amor à vida, e com uma força hercúlica esforço-me por voltar a mim. Sempre me disseste que tudo se resolve e todos dizem que duas cabeças pensam melhor do que uma, logo, uma união de forças não te fará nada mal, pelo contrário.

Passo por ti em silêncio ali no corredor, páro, abraço-te, respiro-te fundo para me certificar de que o teu cheiro fica em mim. Aproveito para te roubar um bocadinho da força com que sempre te conheci, mas não te preocupes, neste abraço transporto para ti toda a força que tenho, mais jovem, menos sofrida, mais renovável. Prosseguimos a caminhada. Enquanto penso que caminhas com passos mais firmes, acreditas que sossegaste o meu coração. Sempre fomos peritas em recarregar as baterias uma da outra.

É que temos mil e um passeios para dar ainda de mãos dadas por esses campos floridos. E dezenas de janelas para abrir ao sol aos sábados de manhã, jornais para ler enquanto tomamos o pequeno-almoço. Ainda quero que me descubras mesmo os mais bem guardados pensamentos. E eu ainda gostava de te ajudar a descobrir a liberdade que todos os dias teimas em tirar da frente dos olhos, com medo de aprender a vivê-la. Temos este mundo inteiro por conhecer e tu não podes fraquejar. Eu prometo que quando fores velhinha nos aquecemos juntas à braseira enquanto contas uma história de encantar e ouvimos os miúdos lá fora a subir às árvores. Prometo que até lá aprendo a cozinhar, arrumo o quarto todos os dias, não discuto com a minha irmã, abdico do monopólio do comando da televisão, deixo de sair até de manhã. Prometo continuar a telefonar-te cem vezes por dia, nem que seja só para dizer olá, prometo dormir contigo dia sim dia não como sempre fizemos, prometo que vamos à praia... Prometo que viverás comigo para sempre.

Prometo que continuarás a ser a melhor mãe do mundo!

Segredo

Não contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça

nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa

Deixa que feche o
anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço

Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar

nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar

Maria Teresa Horta
[À direita, pintura de Fernando Barbosa]

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Genial


Australia, The Shins

Dar o salto

Ontem deu-me para ouvir sons nos quais já não pegava há um tempo. Um deles é o "Só", do Jorge Palma que, por dores fundas e memórias doces, não ouvia há mais de dois anos. Não sei se foi a nostalgia contagiosa da pieguice dos Reveillons, o que é certo é que me fez reviver numa hora, uma história de 6 anos. E assumi de uma vez por todas as minhas escolhas, com um sorriso. Uma proeza e tanto, que este espécime não conhece a arte de resolver bem as suas histórias. No fim, ficou uma sensação não menos bonita do que a original - mas com uns quilos de vida a mais, que é o pozinho mágico mais eficaz - e um "Foda-se, o Jorge é o maior!".

Posto isto, vai de arrumar ideias e seguir a vidinha que este ano é par. E eu só me dou bem com os pares. Não que este auspicie algo de trascendental, mas siga a dança que o que fica para trás já eu conheço de ginjeira.

Contaram-me há dias um pensamento profundo, directamente do café, que pintava filosoficamente o quadro de duas mulheres ali da rua:
- Aquelas duas? Oh, uma não deixa no rabo, outra não deixa na boca!

Pois é, a vida é dura. Com os homens é mais ou menos igual, mas com outros tantos sítios onde não deixam...

Há dias e dias...


Há dias em que sou monja
Há outros em que sou fêmea
E, embruxada, na fogueira
Do amor ponho mais lenha.

Nos dias em que sou monja
Ardo nos claustros da lua.
Nos dias em que sou fêmea
No sol arrefeço, pudica.

Natália Correia





Mulher-lua, Jackson Pollock

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Eu, sem luz nem cor

Ela ligou-me ontem e disse "foi-se a luz e a cor". Recordámos juntas que alguém tinha já escrito isso um dia [também sabes quem foi]. Falámos pouco, ela estava de poucas conversas, apetecia-lhe tão-só saber que me tinha do lado de cá a respirar com ela. Mas mesmo assim contou-me tudo, desde o início dos tempos [como se não me tivesse contado já não sei quantas vezes essa história, sempre com um sorriso malandro e sincero na cara]. Desde a madrugada entre amigos em que ele decide começar a falar-lhe [aos anos que se conheciam...]. Contou-me também das mensagens que trocaram, da primeira vez que saíram sozinhos [é engraçada ela, o que ela inventou para poder estar com ele nessa noite de sexta-feira...], do concerto que viram juntos, da viagem que fizeram bem coladinhos um ao outro, do dia seguinte depois de um outro concerto em que ele desaparece e só horas depois, quando ela já estava em casa, é que dá sinal, o fugitivo. Contou-me das sextas e sábados que se seguiram e contou-me também que o seu respirar quando ele está por perto começa a ser descontrolado e que ele lhe faz pele de galinha. Contou-me, enfim, da primeira vez que se beijaram [ao que se seguiu um silêncio longo, penso que estava ainda a saborear o seu beijo], dos abraços apertados, dos olhares penetrantes, dos sorrisos e das noites mal dormidas. Contou-me das maçãs do rosto! Do difícil que começa a ser para ela os dias em que o não pode ver, as razões por que não pode abraçá-lo a toda a hora e quando bem lhes apetece. Das razões por que lhe não diz mais vezes que o gosta e o quer, tentando assim proteger-se, pois as palavras que lhe ouve não são muitas também. Mas que ela tem vindo a apaixonar-se por ele a cada dia, sei eu bem. Contou-me daquela conversa chata: tinha chegado a hora. O que lhe custou essa conversa, o pensar que o tinha perdido, os dias seguintes... O que gostou ela de terem combinado encontrar-se uns dias depois e dos beijos e abraços que se deram ainda mais apertados do que antes. Ela sente que ele a quer bem. Contou-me dos dias felizes que se seguiram, mesmo longe um do outro. Do dia em que ele lhe disse que ia fazer-lhe uma surpresa, não fosse ela uma curiosa do pior obrigando-o a antecipar as boas novas. Da vez em que ele só voltou para casa no dia seguinte, dormiram juntos, escondidos e foi muito bom! Contou-me da tarde que passaram juntos, do jantar com os amigos, da vontade que ela tinha de dizer-lhe "quem dera poder ficar contigo hoje, amanhã e depois de amanhã, até querermos" [mas não lhe disse...]. Contou-me da última noite em que estiveram juntos [ainda nos fomos rindo um bocado...].

Contou-me do dia em que ele foi passear com os amigos e do dia seguinte em que não apareceu para passear com ela. Disse-me do aperto no peito, da vontade de chorar, de o ver ["infelizmente nem sempre as coisas correm como queremos", disse-lhe ele]. Disse-me ainda dos votos de bom ano que lhe fez, cheia de vontade de lhe dizer "o que eu queria era estar aí contigo, seres a primeira pessoa a abraçar no abrir de 2008, vou largar tudo aqui, vens buscar-me?", mas não estavam a ouvir-se bem e decidiram desligar. Contou-me da mensagem que ele lhe mandou quase de manhã e da resposta dela e da insistência dela já ao fim do dia em saber dele e da resposta seca dele e das perguntas que ela lhe fez e da resposta triste que recebeu dele. Contou-me das horas que passou sem dormir depois dessa resposta, da vontade que tem hoje de estar em silêncio fechada num quarto escuro, da vontade que tem de sair sem dizer nada a ninguém. Contou-me da injustiça que é ele pôr um fim nisto tudo sem sequer poderem conversar, sem sequer ela ter tempo de lhe dizer que gostava de tentar, mas que para isso precisa de alguns dias...