domingo, 13 de janeiro de 2008

Interlúdio

E agora, caros leitores, um temático interlúdio literário-musical, entre Adolfos e Marqueses, sob o jugo do último dos pecados. Que se inflamem as hostes e reflictamos em mais sete dias que se avizinham! Sem dúvida, uma visão masculina. Sem dúvida, uma visão interessante nesta noite quente. De chuva. A sétima, que há sete dias atrás também o foi: a da luxúria.

"Falais-me dos laços de amor, Eugénie; oxalá nunca os conheçais! Ah! Que um tal sentimento, pela felicidade que vos desejo, nunca se aproxime do vosso coração! O que é o amor? Parece-me que só poderemos considerá-lo como o efeito resultante das qualidades em nós produzidas por um belo objecto; estes efeitos arrebatam-nos; inflamam-nos; se possuirmos o objecto, eis-nos contentes; se nos for impossível tê-lo, desesperamos. Mas qual é a base deste sentimento?... O desejo. Quais são os resultados deste sentimento?... A loucura. Falemos do motivo e provemos os resultados. O motivo consiste em possuir o objecto; pois bem! Tentemos consegui-lo, mas com sagacidade; gozemo-lo quando o tivermos; consolemo-nos no caso contrário: mil outros objectos semelhantes e, frequentemente muito melhores, consolar-nos-ão da perda daqueles; todos os homens, todas as mulheres se parecem; não há amor que resista aos efeitos de uma sã reflexão. Oh! Não há maior engano do que essa loucura que, absorvendo em nós os resultados dos sentidos, nos coloca em tal estado que deixamos de ver e existir, senão para esse objecto loucamente adorado! É isso viver? Não será antes privar-se, voluntariamente, de todas as doçuras da vida? Não será querer permanecer devorado por uma febre ardente que nos absorve e nos devora, deixando-nos apenas a felicidade dos gozos metafísicos, tão semelhantes aos efeitos da loucura? Se devessemos amá-lo sempre, a esse objecto adorável, se fosse certo que nunca devessemos abandoná-lo, seria indubitavelmente uma extravagância, mas, pelo menos, desculpável. Acontece isso? Têm-se muitos exemplos dessas ligações eternas, que nunca se desmentiram? Alguns meses de gozo que depressa devolvem ao objecto o seu lugar verdadeiro, fazem-nos corar pelo incenso que queimámos nos seus altares e vamos muitas vezes ao ponto de nem sequer conceber que ele tenha podido seduzir-nos até esse ponto.

Oh, raparigas voluptuosas! Entregai-nos, pois, os vossos corpos, tanto quanto puderdes! Fodei, diverti-vos, eis o essencial; mas fugi cuidadosamente do amor. Ele só tem de bom o físico, dizia o naturalista Buffon, e não era só por isto que era bom filósofo. Diverti-vos, repito; mas não ameis; não vos perturbeis por isso: não deveis externuar-vos com lamentações, suspiros, olheiras e ternos bilhetes; o aconselhável reside em foder, multiplicar e trocar frequentemente de parceiros; deveis, sobretudo, opor-vos a que um só queira cativar-vos, pois que o fim deste amor constante seria, ligando-vos a ele, impedir-vos de vos entregar a um outro, egoísmo cruel, que cedo se tornaria fatal aos vossos prazeres. As mulheres não são feitas para um só homem: foi para todos que a natureza as criou. Se escutarem apenas esta voz sagrada, deverão entregar-se indiferentemente a todos aqueles que as queiram. Sempre putas, nunca amantes, fugindo do amor, adorando o prazer, só encontrarão rosas no caminho da vida; só nos prodigarão flores!"

Marquês de Sade, A filosofia na alcova

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