"Como costumava dizer um famoso relações públicas da noite lisboeta, o mês de Janeiro é o mais engonhado de todos. Depois dos excessos natalícios e de fim-de-ano, fica tudo um pedaço embotado. O dinheiro gasto, o físico também. Mas não podemos esmorecer: está aí um ano novinho em folha para desfainar. É claro que toda a gente pensa no ano que vem antes de ele chegar. Alguns aproveitam para fazer projectos de vida, promessas e juras. Chama-se a isso as Resoluções de Ano Novo, que os jovens pensam serem um hábito recente. Mas não. Consta que são já anteriores ao nascimento de Cristo, o que equivale a dizer que são mais antigas que o Natal. Os romanos também pensavam, quando o Ano Novo se avizinhava, em ir mais ao gymnasium, e em moderar as orgias. Como se pode ver, continua tudo mais ou menos igual.
Não havia era previsões da OCDE, nem do Banco de Portugal para nos ralarmos. Havia sempre os deuses a quem implorar - sacrificavam-se mais umas virgens, atiravam-se mais uns quantos aos leões, e pronto: talvez o ano corresse de feição.
Nesta era do individualismo hard-core e da descrença, estas coisas já não funcionam. Há que ler o Orçamento de Estado para 2008, o Tratado de Lisboa, e estar a par das cotações da bolsa para saber se o nosso destino vai, finalmente, mudar.
Mas será que queremos realmente mudar, ou tudo não passa de uma fantasia típica da época, para nos ocupar durante o mês de Janeiro e chegarmos a Fevereiro exactamente na mesma? Os cientistas antropológicos apontam para esta última hipótese. Tudo indica que as Resoluções de Ano Novo fraquejam pouco depois de serem tomadas. E ainda bem. Elas representam o nosso lado mais careta e auto-repressor. Parecem ditadas pelo provedor Diácono Remédios que cada um de nós tem a viver dentro de si, e que ataca especialmente nesta altura do ano. Já repararam como quase todas começam pelo verbo «deixar»: de beber, de fumar, de comer? Nunca ninguém anuncia «vou divertir-me mais este ano», «vou ter mais sexo» ou «vou estoirar o dinheiro do PPR». Esta tradição enjoativa também ajuda à engonhice do mês de Janeiro: andam todos convencidos, pelo menos até dia 15, que se vão regenerar, e que este ano é que vai ser, e blah, blah, blah. Perante isso, há gente que, precavida e sábia, já nem toma resoluções. Começa o ano sem perder tempo, virando serenamente mais uma página do calendário e planeando ao pormenor a alegre continuação de uma vida dedicada a soltar a franga.
Pensando nuns e noutros, deixo algumas sugestões.
Para o folgazão imperturbável: A desfaina do mês de Janeiro tem que se lhe diga. É preciso ter muita vontade, vencer o frio que cola qualquer um ao sofá e, principalmente, «não se pôr com coisas». Tem de se ir atrás das tentações, por pequenas que sejam. O tamanho não importa. Ao contrário de Dezembro, em Janeiro devem aceitar-se todos os convites para festas, jantares, lançamentos ou inaugurações. A partir da segunda quinzena, é provável que comece a encontrar os primeiros desistentes das Resoluções de Ano Novo, ainda envergonhados, hesitantes, e a cravarem cigarros porque deixaram de fumar. Para os evitar, aconselha-se a noite dos impenitentes, à terça-feira.
Para o folgazão arrependido: Se acha mesmo que a sua vida muda com a passagem de 31 de Dezembro para 1 de Janeiro, o melhor é fazer listas. Fica tudo escrito e assim não haverá desculpas. Listas longas e pormenorizadas. Escreva agora e compare no final do ano, ou mesmo daqui a dez.
Para fazer uma lista infalível, deve substituir a habitual expressão «vou deixar» por «vou mudar», e escrever à frente: de marido(a)/ de namorado(a)/ de amante/ de marca de cigarros/ de música/ de roupa/ de clube/ de droga/ de ares/ de conversa.
Se, na pior (e muito previsível) das hipóteses, não conseguir cumprir as promessas que fez a si próprio, só tem uma solução: suborne-se a si mesmo. Mas não conte a ninguém.
Quanto a mim, o que posso contar é que na única lista que fiz, há uns anos, queria ir a Berlim, comer menos batatas fritas e ganhar o euromilhões. Ainda não fiz nada disto. Desde aí fiquei alérgica às Resoluções de Ano Novo: estou pobre, gorda, e só consigo ir a Barcelona. Mas pelo menos nunca prometi que ia deixar de fumar, ou de fazer sexo em grupo. Há que ser realista.
E demais, tenha sempre em mente o ensinamento do outro que, por não conseguir tomar uma resolução, foi parar à prisão: «Todas as boass resoluções têm uma fatalidade: são sempre tomadas demasiado cedo»."
[Maria Antónia Oliveira & António Néu, in Blah, Blah, Blah, Janeiro de 2008]
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