terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Uma boa acção...

Só Deus sabe porque desligaste o telefone deixando a meio uma conversa importante, que teimo em não querer terminar... Saí nessa altura e arrastei-me até ao autocarro com a iminência de já te ter perdido a atormentar-me o pensamento. [Ainda não me doía a cabeça, mas agora dói.] Quase a chegar ao meu destino, eis que se atravessa um carro no caminho e, travões a fundo, o autocarro dá uma guinada brusca. Ouve-se um grito vindo dos lugares da frente. Éramos só cinco, foi fácil perceber quem tinha caído. Alguém correu de imediato para junto do ferido [ligeiro, um arranhãozito no nariz e uma dor feia no pescoço], era uma senhora. Ainda me fiquei um minutito no meu lugar a pensar que não tinha sido nada e que sendo assim podia deixar-me estar, egoísta, de volta dos meus botões a arranjar uma maneira de te apanhar [se calhar com uma daquelas redes de pesca bem grandes, hein? "Ou, às tantas, tento só com o coração", pensei]. Mas a verdade é que estava ali alguém que podia precisar de mim. Fui para junto da senhora, fiz-lhe umas festinhas na cara e "não chore, assim ainda fica mais nervosa...". Mas nada, a senhora continuava e eu sem conseguir tirar os olhos dela e sem conseguir tirar-te a ti de pensamento.

Chegou o INEM e:
- Minha querida, o que é que se passa, onde é que lhe dói? [Ainda me ri um bocado à custa dos dois paramédicos simpáticos]
- Aqui no pescoço, dói-me muito e aqui também, dizia tocando no nariz e na testa.
[Paramédico 2, aquele que não chamava "querida" à senhora] - Tem alguma doença?
- Que eu saiba, não!
- Toma alguns comprimidos?
- Sim, para dormir.
- Hum... Teve alguma depressão nervosa?
A senhora acenou que sim com a cabeça. Na mouche!

Depois o Paramédico 2 voltou-se para mim. Perguntou-me se eu era familiar da senhora ou se a conhecia. Respondi que não a ambas as perguntas. Ele fez um olhar espantado e disse que, hoje em dia, não havia muita gente assim. [Assim como, Paramédico 2?! Assim como eu, que ando para aqui prostrada há dois dias e que até sinto que a senhora me está a fazer melhor a mim do que eu a ela? Há para aí muita gente mais bondosa do que eu. Acredite...]

Hora de a senhora ir passear ali até ao Santa Maria e eu sem conseguir arredar pé. Pedi ao Paramédico 2 que lhe perguntasse se preferia que eu a acompanhasse. Ela abriu muito os olhos, olhou para mim e disse que não sabia, a menina deve ter mais coisas que fazer... [De facto, tinha. Mas o que era o que eu tinha para fazer perto do bem que me estava a sentir por saber que a minha companhia a sossegava?]. Assim foi: toca de subir para a ambulância e lá vou eu a olhar para a senhora como que a agradecer-lhe aquele bocadinho juntas.
Algum tempo depois de chegarmos àquele corropio de entra e sai de macas e doentes, chega o marido [esquizofrénico, por sinal], seu único familiar. Aproximei-me da maca onde a senhora estava deitada, fiz-lhe a última festinha na testa, disse-lhe que ia ficar tudo bem. A senhora olhou-me com gratidão e muito obrigada, minha querida. Desviei o olhar devagar e fui saindo de fininho. Despedi-me do Paramédico 2 e atravessei a imensidão do pátio do hospital. Sozinha.

Obrigada eu, por me ter libertado um bocadinho que fosse desta tristeza que trago. Dias amargos...

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