quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

No fundo, sempre de volta da essência...

Difícil é fazer fintas à nossa essência. Bem tentamos, mas qual quê?! Anda sempre aquela sombra ali a acompanhar-nos os passos. Às vezes, olhamos para trás e parece que se foi, respiramos de alívio e sorrimos porque aquilo que queríamos não ser parece que realmente se foi. Olhamos outra vez só para nos certificarmos mas lá está ela outra vez [devia estar um edifício qualquer no caminho a fazer uma sombra maior do que a nossa e não dava para ver bem]. E depois temos duas hipóteses: ou aceitamos a nossa essência porque, no fundo [lá bem no fundo e só daqui a uns anos], deve ser o que nos faz verdadeiramente felizes, ou resignamo-nos e andamos aqui por ver andar os outros, para sofrer menos e não fazer outros sofrerem. Se calhar devia ser mesmo assim, numa de altruísmo. Mas... e quem não sabe não ser genuíno? Fica a pergunta, porque eu a esta não sei responder.

Endiabrada Bela! Estranha abelha que dos mais doces cálices só sabes extrair fel! "Para que quer esta criatura a inteligência, se não há meio de ser feliz?", dizia, dantes, meu pai, indignado. Ó ingénuo pai de 60 anos, quando é que tu viste servir a inteligência para tornar alguém feliz? Quando, ó ingénuo pai de 60 anos?... Só se pode ser feliz simplificando, simplificando sempre, arrancando, diminuindo, esmagando, reduzindo; e a inteligência cria em volta de nós um mar imenso de ondas, de espumas, de destroços, no meio do qual somos depois o náufrago que se revolta, que se debate em vão, que não quer desaparecer sem estreitar de encontro ao peito qualquer coisa que anda longe: raio de sol em reflexo de estrelas. E todos os astros moram lá no alto, ó ingénuo pai de 60 anos! [Florbela Espanca, Diário - 23 de Janeiro de 1930]

E a Florbela também não...

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