terça-feira, 2 de março de 2010

Verónica

Não lhe gostava do nome, mas dela, por si só. Das coisas que lhe saiam da boca perfeita. Falava-me de feministas e comportamentos híbridos de género do alto dos seus recentes trinta. Quase sempre trazia o cabelo solto, bastante comprido, louro, louro, louro, gritantemente louro a rodear os olhos brilhantes verde-água, as feições delicadas, contornos firmes, esguios. Ela toda esguia, altíssima e nunca altiva, sempre descontraída, natural ao seu estilo casual. Olhava com um misto de doçura e sensualidade, uma vergonha na certeza daquilo que emitia em seu redor. Nós que nos rendíamos à sua sapiência, à vanguarda de pensamentos e modos, aos seus amigos bonitos que trazia para falar de recentes happenings, performances, instalações, manifestos. Eles num óbvio esforço por lhe agradar, ela educadamente indiferente, eu fascinada. Quase a medo de lhe falar, absorvia-lhe tudo, derretia-me nas nossas divagações, nas propostas de tese, no entusiasmo, na prontidão, numa cabeça tão igual à minha, mas a milhas de distância em deslumbramento. Acho que nos apaixonámos ali, sei-o hoje, entre os papers, a Donna Haraway, as apresentações, o Artaud e a Orlan, sob o tecto daquela que se diz católica.

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