quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Geração assim-assim

Eu pertenço a uma geração desiludida e absolutamente frustrada. Uma geração de excelentes alunos que viram morrer sonhos que pareciam tão próximos. Alunos aplicados, interessados, inteligentes e trabalhadores que saíram da escola com médias fantásticas para cursos que escolheram mais ou menos. O leque era imenso, a vocação e as certezas tão mínimas. Eu pertenço a uma geração de jovens que seguiram Medicina porque podiam, não tanto pelo objectivo de uma vida. Eu pertenço a uma geração em que os menos marrões não eram menos inteligentes, mas aos quais as portas, menos generosas, não se abriram. Uma geração que foi apalpando caminho na escolha de uma profissão que se revelou, provavelmente, errada, também porque não se encontrou outra alternativa. Alternativas que, no fundo, desaguaram no ensino, nos estágios não remunerados, em atendimento ao balcão e funções banais pagas abaixo do ordenado mínimo. Eu pertenço a uma geração que não é feliz no que faz e que se arrasta a cada dia pensando na força que tivera um dia, nos planos que idealizara e da alegria que tinha enquanto estudava. Uma geração que preferia regressar a esse tempo e ter percebido o que correu mal (se é que correu) ou simplesmente permanecer nessa página só para saborear melhor o enredo. É que o desfecho é insípido e triste para a maioria e brilhante apenas por sorte.

3 comentários:

leo disse...

Lira,
quando acabei o curso era exactamente a sensacao que tinha: saímos cheios de garra, queremos agarrar o mundo. Essa garra vai-se perdendo, diluída em frustracoes, em desilusoes, em meses de desemprego... E tive a sensacao que uma geracao inteira estava a ser roubada e perdida.

Também estudei coisas que em Portugal muito provavelmente nao teria conseguido fazer. O problema nao tem necessariamente que estar aí, i.e nao vamos todos estudar como fazer centros comerciais (embora já tenha pensado nisto como solucao).

Talvez tenhamos crescido ingenuos ou desfazados do real, cheios de nós mesmos porque no fundo somos das primeiras geracoes pós 25 de Abril, crescidas na abundância dos anos 90, que estudaram e que viram um mundo de possibilidades. Depois, afinal, essas possibilidades nao existiam. E aí sentimo-nos roubados. Por outro lado, pelo menos em parte, talvez isto seja um sentimento comum a todas as geracoes: um dia cresces e afinal nao és brilhante como te imaginaste e nao realizaste os grandes objectivos que tinhas para ti...

- nisto lembro-me do quadro dos Ponteiros Parados, entre a infância (cavalinho) e a idade adulta (mulher em pé), tens um lugar onde as possibilidades sao infinitas (a abertura para o céu no centro do quadro) e depois um momento em que realizas que tudo aquilo nao vai ser possível e de repente sentes-te frustrada e estática (a cadeira). Talvez a maturidade (a mulher em pé) seja um arregacar as mangas determinado e realista para fazer o melhor com o que temos.

Beijo! Continua a postar.

José Ricardo Costa disse...

Espero bem não ser mal interpretado, do alto do meu emprego seguro e relacionado com a minha formação académica. O trabalho, por muito importante que seja, não deve ser o factor determinante da nossa vida. Isso é retórica marxista (a glorificação do proletariado) ou fascista (Arbeit marcht frei). O trabalho não deve passar de um conjunto de horas que diariamente temos de cumprir para ganhar dinheiro para poderemos ser felizes. Mas há vida para além do trabalho, a nossa identidade e imagem perante o espelho não deve depender do trabalho. Se por acaso o trabalho que temos é uma merda (o meu é cada vez mais)temos que o encarar como se fosse uma injecção cuja dor deve passar o mais depressa possível. O que nos faz felizes é a nossa vida privada: os nossos amigos, filhos, livros, filmes, viagens, passeios a pé, jantares, praia, all that jazz. Fazer depender a nossa vida e imagem do raio do trabalho que se tem é um erro. Estar desempregado é horrível? Claro que é. Ter uma merda de trabalho é mau? Claro. È bem melhor ganhar muito a fazer uma coisa de que se gosta do que ganhar pouco a fazer um frete? Sem sombra de dúvida. Isso é uma coisa. Outra é ver cada vez mais no trabalho o critério de todas as avaliações a nosso respeito.
JR

lira disse...

Tudo muito verdade, entre a ilusão daquilo que se vale e a excessiva importância que se dá a umas tarefas rotineiras. O que é certo é que grande parte da nossa vida se passa durante esses momentos de trabalho e bem ou mal há que levantar a cabeça e suportá-los. Esperar sempre por dias melhores. Mas, infelizemente, há, de facto, pessoas que não conseguem deixar de os encarar como literalmente deprimentes e opressivos. E isso é preocupante. Malta nova que supostamente se está nas tintas para os deveres e responsabilidades, afinal anda amargurada por algo que não os deve definir, mas que lhes condiciona a vida. Chegar perto dos 30 sem ter um chavo para sair de casa dos pais pode ser encarado como uma dura derrota.