terça-feira, 23 de março de 2010

Manel

Foto de Clara Azevedo


É este o Manel João, tal e qual aqui se vê. Absolutamente alucinado, a deambular mentalmente entre as imensas personagens que incorpora. Meio tolo, com laivos de inocência, a lascívia do costume, a desorientação parece tomar-lhe conta da cabeça, da vida. Faz e diz o que quer, está-se nas tintas para o que pensam dele ou para fazer boa figura perante a aparente importância de ser entrevistado de Anabela Mota Ribeiro. Sem filtro pela anarquia da conversa, mas carregada dos filtros que imprime aos próprios heterónimos. Ficamos na dúvida se estamos perante uma clara confusão de identidade ou uma assumida intenção de não ser coisa nenhuma para poder ser uma qualquer.

Não deixa de me fascinar, o Manel João. Gosto do ar alheado, como se acabado de sair da casa de repouso. Gosto que choque, como canta conas e caralhos em profunda seriedade de caso. Está velho, queimado, mas certo da vida que escolheu. É uma certeza que se inveja. Vê-se-lhe nos olhos a paz de espírito de quem seguiu um ideal à sua maneira. E os olhos alheios que se fodam.

3 comentários:

José Ricardo Costa disse...

Personagens assim são muito interessantes. Há pessoas que nascem (ou desenvolvem)com uma assinalável pulsão auto-destrutiva e desintegradora.
Se a pessoa for normal, tipo contabilista numa empresa de metalomecânica em S. João da Madeira, é considerada doente, aborrecida e quase desprezível. Se, porém, se tratar de um cantor, de um pintor, de um poeta ou de um cineasta, essa pulsão é transfigurada em pulsão criativa e esteticamente gratificante. São personalidades que, de um ponto de vista mediático, conquistam um glamour próprio e são enaltecidas por isso. Porém, muitas vezes, para não dizer quase sempre, são também pessoas que fodem as vidas daqueles que vivem à sua volta, especializando-se mesmo na arte de fazer sofrer aqueles que melhor lhes querem.
JR

lira disse...

É um facto. Entre o génio e o louco a linha é ténue. Também por isso arrastam solidão e desgraça pela opção de ser como são. Mas as decisões fracturantes mandam sempre estilhaços para algum lado: para fora caso se assumam (Manel João), ou para dentro caso se oprimam (Contabilista da empresa metalomecânica). Venha o diabo e escolha!

leo disse...

É liberdade. As relacoes que estabelecemos com as pessoas que nos querem sao sempre a determinada altura castradoras. Há o facto de representarmos algo para essas pessoas, há o facto de sermos múltiplos e de ser difícil encaixar essa multiplicidade, há as expectativas, o que esperam de nós. A liberdade é selvagem, desinteressada e por isso genial. É preciso ser louco para conseguir aguentar essa liberdade selvagem. Se ser louco é bom ou mau, isso nao sei... Mas eu partilho o fascínio por pessoas que a aguentam e que por vezes pagam por ela com uma vida menos confortável, mais difícil de compreender, mas mais verdadeira.

Excelente post!