domingo, 24 de maio de 2009

Amorfa

Tenho saudades de estudar. De ser incitada a pensar, de ler qualquer coisa interessante do ponto de vista científico-social. Sinto falta das aulas/seminários em que havia discussões já em tom de tertúlia, em que não chegávamos a nenhuma conclusão ou solução iluminada, mas confrontavam-se conceitos, questionavam-se opiniões. Inclusive as nossas. Provavelmente, o que de melhor tirei da faculdade (além da boa vida paralela) foi o treino de espírito crítico e alguma cultura geral. Pouco mais me preparou para o mundo laboral em termos práticos. Mas a verdade é que sinto falta desse "exercício" mental, parece que se anda mais desperto para tudo o resto, até nas situações mais comezinhas, as notícias que passam no telejornal ou a relação com as pessoas em geral. Quanto mais nos afastamos da vida académica, do conhecimento, do estudo ou que lhe queiram chamar, mais nos afastamos do encontro connosco. Isto soa a profunda piroseira pseudo-filosófica, mas acabo por o sentir como a mais pura das verdades. É como se a minha mente não desenvolvesse e fosse ficando atarracada em pensamentozinhos menores entre o estender a roupa porque faz sol e a envolvência na intriguice dos colegas de trabalho. Pouco a pouco lá vamos cedendo àquilo que dá menos trabalho a pensar, ao desligar do botão e só vão sobrando umas luzes muito ténues de tudo o que não continuámos a alimentar. Ok, só depende de mim a luta contra aquilo em que não me quero transformar, do género dona de casa, mãe de família, prioridades: jantar na mesa, miúdos nos escuteiros e depilação às 17h. Ou pelo menos reduzir-me a isso (excepto a parte dos escuteiros, que está mesmo fora de questão). Acho que me atormenta a fuga para a frente, o marasmo dos dias, a engrenagem na rotina do costume, no quotidiano de todos, como se temesse algum dia querer voltar atrás e não existisse recuperação possível. Sinto-o principalmente na vontade de voltar a estudar, dentro do rol de tantas outras que me dão prazer, como ir a um concerto, ao teatro, meter-me num coro ou ir apanhar sol à Graça rodeada de intelectuais de livro debaixo do braço. Temo a estagnação acomodada como uma doença venérea.

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