Falta-me o Outono como o tenho guardado no imaginário. Primeiro a mercearia dos avós cheia de rebuçados e pão quentinho a transbordar tulicreme, a salamandra acesa e o quando cai a noite na cidade a seguir ao telejornal. Depois os fins de tarde com livros e cadernos debaixo do braço rumo a casa. Falta-me o chegar a casa e ser tudo mais fácil. As brigas por um lugar no pequeno sofá e pelo monopólio do comando da televisão que eu sempre ganhava à minha irmã. Mas ela também já cresceu e decerto falta-lhe tanto como a mim. Falta-me o pouco espaço que tínhamos naquele cantinho. Desde que nos mudámos, tudo mudou. O nosso mundo cresceu e isso trouxe tanto de bom como de assim-assim. Faltam-me as fornadas de bolinhos tipo rolha que comíamos desalmadamente [nunca mais nos atrevemos a fazê-los desde a última barrigada há coisa de 12 anos]. O acordar a meio da noite, suster a respiração para sentir a delas e, assim, saber que estavam bem. Isso também me falta.
Falta-me aquilo que ainda não sou capaz de fazer: correr daqui para fora e calcorrear sozinha esta cidade que acho que sinto ainda mais bonita quando iluminada em noites escuras. Falta-me o por fim entrar na casa que me falta, escolher o livro, servir uma taça de vinho, acender o candeeiro de pé alto e o cigarro, pôr a manta sobre as pernas na cadeira de baloiço e o piano do Sassetti no play e, entre o folhear de cada página, erguer o olhar e apreciar este quarto de Van Gogh.
Se calhar o que me falta é saber viver no Outono quando os dias ficam mais curtos e as saudades apertam e me fecho no medo que tenho dos outonos que, como paradoxo, adoro, por trazerem com eles o sabor amargo da solidão.
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