quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Pela mão de Deus?

Que Deus? Que Deus permite tristezas profundas como a perda de alguém? Que Deus tem a ousadia de o fazer sem nos ensinar a sobreviver a uma perda? Quem é esse Deus que não nos ensina a fazer o luto e nos deixa à mercê de saudades que nos vão comendo o sentido de viver e nos fazem questionar se valerá a pena ir à luta amanhã, outra vez...? Acreditar em algo que nos transcende é próprio dos fracos, dizem-me. Delegar o papel de personagem principal a Outro, irrita-me, acrescento. Não posso com quem diz que seja o que Deus quiser ou que isto ou aquilo aconteceu porque Deus assim quis. Mas o que se diz nem é o mais importante. Não há cá crónicas de mortes anunciadas que nos ajudem à antecipação de mecanismos de sobrevivência à dor. Vais sofrer, disso não te livras!, convenço-me. Eu cá, tive que fazer esse luto uma vez, apenas. E o que me custou quando do outro lado da linha me anunciaram, por meio de palavras moles, a morte de quem me era tão querido... Questionei o mesmo Deus que questiono agora. Como um sopro de vida, a revolta foi-se dissipando. Sem correr. Bem devagar. Escrevi-lhe várias vezes, sonhei com ele outras tantas, mas hoje estamos em paz. Sorrio-lhe de cada vez que me acena à lembrança. Outras vezes o coração fica pequenino: quando me apercebo que o não voltarei a ver...
Quando me perguntam se tenho medo da morte. Respondo redonda e imediatamente que essa morte não, não me aflige. Inquieta-me a possibilidade de ir morrendo por dentro mas, mais do que isso, aterroriza-me a morte dos que mais quero não por não mais poder sentir-lhes a carne, mas porque, apesar de feito o luto, acharei sempre que foi injusta a viagem que encetaram pela mão de um tal deus. Por isso, faço como os outros: facilito. E imagino paraísos verdejantes para aqueles que se foram um dia.

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