sábado, 13 de junho de 2009

Apelos


Li hoje o discurso de Obama de visita ao Egipto. Não tinha ainda ouvido sequer excertos ou posteriores análises e fiquei, de alguma forma, curiosa com uma apreciação que li de relance: diz-se que se tratou de um momento histórico e eu quis perceber porquê. Eu posso ser uma grande patega sentimentalóide, mas mesmo sem sequer ouvir de viva voz a expressão daquelas palavras fiquei estarrecida. É um dado adquirido que se trata de um homem extremamente carismático e inteligente que sabe exactamente o que deve dizer e como deve dizer. Este discurso parece provar isso mesmo, até porque, como se sabe, tudo vindo daquela máquina política americana é meticulosamente preparado, estudado. Até mesmo as reacções a este discurso foram estudadas em vários pontos estratégicos, consoante as orlas que o mesmo pretendia exactamente atingir. No entanto, para mim, o que há de diferente neste discurso é a atitude, é a intenção que a envolve, é a motivação que dá lugar àquele explanar de argumentos com fim a um só objectivo aparentemente tão simples e, na realidade, tremendamente problemático. Tenho por hábito desconfiar sempre um bocadinho daquilo que me parece logo, à partida, bom, principalmente no que diz respeito à política pelas já batidas razões de descrédito que 57 pontos percentuais de abstenção retrataram nas últimas eleições nacionais. E agora não foi excepção, dei por mim a pensar se tais palavras tão cheias de boa vontade, optimismo e poder de iniciativa não seriam meio vazias, apenas flores e perfumes para suavizar o negrume de todos os pontos que apontou até porque estamos a falar de pedras no sapato que incomodaram já ao ponto de corroer a meia e fazer ferida no pé. Geralmente, os grandes impulsionadores da mudança são imediatamente apelidados de utópicos, sonhadores, loucos carentes de sentido da realidade, dos problemas, dos lobbies, das diferenças… do impossível. Mas eu li e pensei e acreditei que era possível. Na verdade são expostas todas as dificuldades, fica latente a noção de que não vai ser fácil nem ser resolvido amanhã, que terão que se unir esforços de todas as partes sem excepção, que há limites para qualquer acordo de cooperação e esse limite é a violência extremista. Mais do que isso são apresentadas alternativas, medidas e propostas para se poder avançar. Fica dado um primeiro passo, sem conversas de treta, demagogias, enredos de cordel e sim com objectivos claros, numa clara afirmação de que “se está mal, aqui estão hipóteses de solução. Quem avança?”. Tudo isto vem num embrulho impressionante, a meu ver: a clareza e seriedade de ideias numa linguagem simples e eficaz. Trata-se de um “estender de mão” com humildade, sem perder a noção dos princípios que defende, explicado directa e logicamente a uma plateia que, assim, fica presa ao que se diz. Faz-me lembrar uma música dos Police, a propósito da Guerra Fria, “we share the same biology regardless of ideology”. No fundo é exactamente isto, parece tão simples porque será que se tem complicado tanto em teorias diplomáticas repetindo os mesmos erros uma e outra vez? Espero mesmo que não lhe esmoreça o fulgor e que tenha fôlego para o que há-de vir. Em todo o caso será sempre sinal de que se avançou e é esse o espírito que falta em cada um de nós, no meio de tanta desgraça e guerra e crise e tudo quanto é mau. Haja alguém com energia para avançar apesar dos pesares, contra velhos do Restelo, com alento que contagie. Parece que o “Yes, we can” não foi apenas para empolgar as massas numa espécie de euforia psicadélica e eu gosto mais de Obama por isso.

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