segunda-feira, 15 de junho de 2009

Segunda volta

O riso de Deus outra vez e vezes sem conta. É um livro que, creio, não se esgota. Ainda há coisa de um ano o li pela primeira vez e foi como um bálsamo para os dias menos bons. E para os dias felizes também porque retrato da simplicidade que pode ter-se no viver. Se bem que, embora o Francisco diga que se despojou do mais que é material, alguns dirão que vive à sombra da herança que o pai lhe deixou. Mesmo assim, gosto dele, vive melhor que a maioria de nós: numa constante (re)descoberta de si mesmo, aceita as dores que prega ao peito nas horas de solidão e (re)aprende com elas na certeza de que "o importante é o sentido que soubermos dar à vida de maneira a vivermos em harmonia com as aspirações profundas do nosso Ser". É bonito de mais o que sai da pena do Alçada Baptista.

Releio, então, este livro, agora com um caderninho e uma caneta ao lado. Aponto tudo o que me enche os olhos. Abro aspas e guardo o que de melhor tem para mim, como se para o perceber melhor. Fazia muito isto quando era miúda: apontava frases, ditados, expressões. Perdi há anos o bloco onde as guardava e, com essa perda, perdi o hábito de escrever o que me importa para não esquecer. Retomei este hábito há algum tempo. Subtraindo-me sempre à maçada de me olharem como a uma frase feita, as palavras que me fazem tanto sentido e me ajudam a encontrar paz tomo-as apenas como emprestadas e reorganizo-me e volto a desorganizar-me e a organizar-me mais uma vez e vivo desalinhada... Porque acredito que é na permanente reinvenção de nós próprios que encontramos a nossa essência, tento dia após dia ver se tenho tempo para ser eu própria.

"Gosto de ti porque és minha irmã da seita do sonho. Os que sonham a dormir sabem, de manhã, que isso era uma ilusão mas os que sonham de olhos abertos acreditam que o estofo do futuro será feito desse sonho. Por isso são tão inquietantes aos olhos dos que preferiram ficar por aí, convencidos de que a vida se vive nestes limites, e nem ousam tomar conhecimento daquilo que se pode arriscar para poder experimentar as suas margens. (...)
Se me perguntares o que é que eu tenho andado a fazer, nem sei bem, mas acho que andei a explorar essas margens e que procurei estar atento ao que por lá se passava. Não encontrei uma fé: a minha fé é a minha procura e penso que só irei desistir dela no dia em que encontrar esse não sei quê que me cita e se esconde sempre que julgo que o tenho nas mãos." [O Riso de Deus, António Alçada Baptista, pp. 22-23]

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