domingo, 14 de junho de 2009
Vícios partilhados
Apareceu sem querer. Deixou o comentário ao som que passava, quem seria, de tão bom gosto, que adorava Lhasa e como era raro ouvir em espaços públicos. Parece que foi ficando a bambolear-se e até levou dois livros, por acaso. No dia seguinte escreve-me a indagar de onde viria tal selecção, que muito gostaria de ficar com uma cópia, que convida à compra e ao passeio pelas estantes e envaideço, naturalmente. Terceiro dia e aparece-me meio envergonhado, risonho e olhar semi-alucinado sem esperar encontrar-me. Os olhos são claros e esbugalhados, o cabelo grisalho e a camisa solta no corpo magro demarca-lhe a escolha de vida no plano etéreo, entregue à melomania e à história. Vem para me deixar dois “álbuns mesmo fantásticos” para troca, tal como combinado, com a promessa de voltar a deixar-me mais material e vai-se rapidamente, corcunda, ainda de sorriso pueril, a descer as escadas e ainda a falar-me da Lhasa e do segundo álbum, melhor que o terceiro que tem que se ouvir mais vezes. Vai trazer-me um dia destes. Deixa-me a mim de sorriso parvo, alheada e deliciada nesta espécie de contrabando musical, transacções narcóticas de adictos que partilham a mesma ânsia de alucinação sonora. E assim, de repente, é isto que me enche o dia. E nunca o volume de vendas.
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